quinta-feira, agosto 23, 2007

Terrorismo, Milho Transgénico e Jornalismo de Sarjeta

Vai por aí uma intensa campanha mediática contra os jovens, que julgavam estar a protagonizar uma acção de sensibilização da opinião pública contra os perigos do milho transgénico e acabaram por ser apodados de terroristas, de violadores da sacrossanta propriedade privada.
O que espanta na forma como a generalidade dos jornais e das televisões trataram do assunto foi a incapacidade para se distanciarem do tratamento mais óbvio - o da condenação do acto como algo de disparatado - e aproveitarem para evocar algumas das cautelas tomadas em meios científicos conceituados quanto ao custo-benefício deste tipo de produção agrícola.
A opção por más práticas agrícolas já deu grandes manchetes de jornais: quem já esqueceu o problema da Encefalopatia Espongiforme Bovina, que ainda vai causando algumas mortes, inclusive no nosso país?
E, no entanto, as rações com produtos provenientes de cadáveres de animais até era suposto vir a acarretar melhor produtividade nas explorações agrícolas, não era?
Ou, pegando noutro exemplo, quando a antiga URSS decidiu produzir toneladas de algodão nas margens do Mar de Aral, o objectivo era ultrapassar os propagandeados planos quinquenais: o sucesso dos povos soviéticos estava dependente de sempre maiores produções industriais e agrícolas. O resultado é conhecido: um crime ecológico, que reduziu esse Mar interior a uma pálida sombra do que fora e a miséria das populações, que sempre tinham vivido do peixe nele pescado.
Estes dois exemplos de como objectivos de produtividade dão lugar a lamentáveis tragédias humanas aconselhariam prudência no recurso a novas experiências inovadoras. Sobretudo, quando elas derivam da avidez de lucros de uma multinacional norte-americana - a Monsanto - que se tem distinguido por formas muito pouco escrupulosas de se impor no mercado a nível mundial. Mais do que nunca importaria aguardar por mais rigorosos testes científicos para depreender as consequências dos Organismos Geneticamente Modificados na saúde das populações, que os venham a consumir, e no equilíbrio ecológico das espécies usualmente presentes no habitat por eles alterado.
O cinismo com que esta questão foi tratada nos media está, igualmente, bem demonstrado na apresentação do proprietário da quinta vandalizada como um pobre coitado, que vive da sua produção para alimentar a família. Ora, lê-se nos jornais, que ele ficou sem 1 hectare de uma seara de 51. Ou seja, ele tem uma produção expectável de cerca de 200 mil euros, dos quais ficou sem perto de quatro mil. Ora, numa análise de risco, a perda de menos de 2% de uma produção não é algo de perfeitamente enquadrável numa expectativa bastante favorável?
É triste constatar a justeza do ministro Santos Silva, quando dizia há algumas semanas, que se produz um jornalismo de sarjeta em Portugal.
Este triste episódio tende a dar-lhe razão...

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