quinta-feira, agosto 09, 2007

«A COMÉDIA DO PODER» de CLAUDE CHABROL

Se consequência houve da queda do Muro de Berlim, a da falta de despudor da burguesia na defesa dos seus interesses mais egoístas é um dos mais óbvios.
Começando por, à frente do Sector Empresarial do Estado, tudo fazer para que ele desse prejuízo, criou o caldo de cultura mais adequado para a defesa da privatização sempre no pressuposto de se criar mais riqueza passível de ser aproveitada pela maioria.
A forma como o finado Champalimaud demonstrou que isso era uma falácia ainda perdura nas memórias: tão só recuperado o seu império bancário logo o vendeu aos espanhóis, desiludindo quem acreditava nas balelas de haver sintonia entre o Capital e o conceito de Pátria.
Na linha dessa privatização obsessiv
a entregaram-se jornais e televisões a essa camada social, que logo a utilizou como veículo de disseminação das mensagens ideológicas mais consonantes com os seus interesses. E a populaça foi caindo no desemprego e na maior miséria, rindo das parvoíces de apresentadores e trauteando canções pimba sem compreender como se ia perdendo no labirinto das suas ilusões.
O futebol e o fado iam fazendo o resto, associados à inevitável Senhora de Fátima, para quem acorrem os aflitos sem quem mais a quem pedirem conforto…
Estamos num tempo em que uma minoria cada vez mais arrogante abocanhou o poder e o dinheiro, deixando a imensa maioria afundada em precários esquemas de sobrevivência.
É contra essa realidade - hoje globalizada à excepção das pequenas aldeias dos irredutíveis seguidores de Hugo Chavez - que Claude Chabrol filmou «A Comédia do Poder». Foi no ano transacto, quando já assentara a poeira sobre alguns mediáticos casos de corrupção entre os políticos e os empresários franceses ligados aos interesses do petróleo.
Não querendo senão conotar a sua história com uma realidade bem conhecida da opinião pública, o realizador vai metamorfosear Isabelle Huppert numa pertinaz juíza, apostada em sabotar os esquemas de corrupção dos principais executivos de empresas estatais, que consideram perfeitamente normal usar o cartão de crédito da empresa para as suas avultadas despesas pessoais, incluindo para as suas efémeras amantes.
Jeanne Charmant Killman vem de uma camada social bastante abaixo da sua presente condição e assume-se como uma espécie de vingadora decidida a fazer dos seus suspeitos os potenciais exemplos de uma forma de redenção. Em tempos terá sido criada em casa da família Charmant acabando por casar com o seu herdeiro designado, para o efeito obrigado a uma ruptura dolorosa.
Esse conjugue nunca aceitará de ânimo leve esse militantismo de Jeanne contra a sua classe, acabando por sair vitimado dessa acção, seja porque terá buscado no suicídio a saída para o impasse dessa relação amorosa, seja por ser o elo mais fraco na vida pessoal da juíza e, como tal, o mais a jeito para lhe lançar um aviso sobre as consequências dos seus processos.
Chabrol evidencia esse conluio promíscuo entre senadores da República e administradores de empresas com contas em paraísos fiscais à mistura, destinadas a alimentar a cupidez de políticos africanos sem escrúpulos.
É claro que o alcance da investigação de Jeanne vai ser limitado pela capacidade de contenção dos seus inimigos. Nesse sentido, há algo de quixotesco na perseguição dela a uma certa verdade incómoda.
Credível na sua tese, Chabrol acaba por denunciar uma injustiça, que só um outro tipo de sociedade poderá eliminar. Uma sociedade em que o mercado não seja uma inevitabilidade, em que a opinião pública seja estimulada para o conhecimento e a beleza artística. Aquela que, por exemplo, Eduardo Serra buscou ao fotografar este título do grande mestre francês.

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