quarta-feira, agosto 16, 2006

«War Photographer», um documentário sobre James Natchwey

James Natchwey leva à letra aquilo que Robert Capa dizia: «If your pictures aren’t good enough you’re not close enough». Por isso ele quase se cola às pessoas, que se transformam em protagonistas das suas imagens.
Christiane Amanpour, a conhecida jornalista da CNN define-o como um grande solitário, que é de uma obstinação extrema no seu trabalho.
Christian Frei, o realizador do documentário, acompanha o fotógrafo enquanto ele capta imagens da mulher bósnia, que chora a perda dos seus familiares, seguindo-a mesmo até dentro do seu casebre. E, na redacção da «Stern» acompanha a discussão entre o chefe de redacção e outros colaboradores sobre as imagens dele recebidas dos Balcãs. Aonde se constata uma óbvia alteração no conceito de guerra, tal qual existia antes da queda do Muro de Berlim: se os conflitos costumavam acontecer entre países, passaram desde então a ocorrer entre povos do mesmo país. Mesmo que com recurso a meios muito menos sofisticados, como ocorreu no Ruanda.
Mas o problema com os fotógrafos de guerra («que foram ver a fuzilaria», como diria António Gedeão), a questão impõe-se: não existirá uma certa pornografia na forma como exploram a violência? Nomeadamente nessa forma abusiva como se aproximam de quem sofre?
Em entrevista Natchwey conta que decidiu ser fotógrafo nos inícios dos anos 70, quando se vicia a guerra do Vietname e era óbvia a dissonância entre o que as imagens revelavam e o discurso dos responsáveis políticos norte-americanos. Foi quando entendeu a capacidade das imagens para se tornarem em testemunhos do que acontece a pessoas vulgares, quando apanhadas no turbilhão de acontecimentos extraordinários.
Embora tenha sentido a dificuldade de acreditar nesse percurso, quando o empreendeu, a partir dos anos 80, foi na convicção de encontrar na disciplina do enquadramento o conhecimento aprofundado do mundo em que vivia.
Mas o documentário deixa dúvidas sobre a capacidade para evitar a manipulação de quem faculta o acesso aos locais a fotografar: em Velika Krusa, ele e Christiane Amanpour vão ao local aonde estão acumulados duzentos corpos de fuzilados. Mas, envoltos em plástico, quem nos diz da veracidade dessa condição de vítimas de um genocídio recente? E as crianças que, oportunamente, aparecem a trazer flores para homenagear esses mortos não protagonizam, involuntariamente, uma forma de acentuar esse horror?
Natchwey reconhece só lhe serem possíveis as suas imagens com a cumplicidade activa de quem ele capta. Quanto mais por isso, o fotógrafo não consegue ser uma testemunha imparcial da História já que depende dessa cumplicidade com os fotografados. Que dele se servem, conscientemente, enquanto veículo de denúncia perante o mundo das injustiças de que estão a ser vítimas…
Hans Hermann Klare, chefe de redacção da «Stern», reconhece que Natchwey mudou desde que o conheceu, muito por efeito dos horrores visitados pela sua objectiva. Por exemplo os do Ruanda, que o levam a interrogar-se sobre o que poderá inspirar tanto ódio. Algo que ultrapassa qualquer entendimento…
Tanto mais que, semanas depois de fotografar os efeitos dos massacres no país sobre os tutsis, ele dirigiu-se aos campos de refugiados de Goma aonde os hutus estavam a ser dizimados aos milhares por uma epidemia de cólera. Como se ali tivessem tomado o expresso em direcção ao Inferno…
Na Indonésia ele fotografa pessoas, que construíram abrigos precários ao longo da via férrea. É outra vertente da sua actividade: testemunhar a pobreza dos mais desvalidos de entre os desvalidos deste mundo. Gente que veio do campo em busca de sustento nas grandes cidades e que só arranja trabalhos miseráveis, insuficientes para lhes garantir condições mínimas de sobrevivência. O caso dos respigadores das lixeiras de Jacarta. Ou dos que trabalham nas irrespiráveis minas de enxofre a céu aberto.
Mesmo nos países supostamente elogiados pela sua «recuperação económica», uma parcela significativa da população em nada dela beneficia. Por isso o interessou tanto o derrube de Suharto. Porque as multidões que, nas ruas, exigia o seu afastamento, estava eivada da emoção de quem se pretende libertar de uma pesada canga repressiva.
Do tempo passado em África, Natchwey traz uma certeza: a fome é uma forma primitiva, mas bastante eficaz, de genocídio. E as fotografias terríveis obtidas em campos de refugiados até não dão toda a dimensão dessa tragédia: como seriam as que seriam obtidas em sítios aonde não existem essas formas de apoio às vítimas desse flagelo?
Mas para o repórter de guerra a divulgação das suas imagens está cada vez mais difícil: vivemos numa época hedonista aonde o que vende são as imagens glamourosas de artistas e de moda. Quem paga publicidade nas revistas não quer ver o que nelas possa incomodar os seus potenciais consumidores.
E, no entanto, é urgente olhar a realidade de frente. Fazer qualquer coisa para a modificar.
A esperança, para Natchwey, é que as suas imagens contribuam para essa candente evolução...

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