quarta-feira, agosto 16, 2006

«Local Angel»: fragmentos políticos e teológicos de Udi Aloni

Com uma piscadela de olho Deus criou uma multidão de anjos, condenados a cantar louvores e, depois, a desaparecerem. Para escapar a esta triste sorte um anjo pode adoptar um humano e disfarçar-se de anjo da guarda.
Mas cansa-se depressa porque é angélico e o homem cheio de vícios. Nessa altura só lhe resta a vontade de cantar os louvores ao Senhor e desaparecer. Mas o homem não quer deixá-lo partir. O anjo tornou-se o seu pequeno Deus pessoal e ama-o tanto que está disposto a tudo - a súplicas, a manha, se necessário à força.
Oito anos atrás Udi Aloni trocou Israel por Nova Iorque. Um mergulho numa espécie de capitalismo visual cheio de néons e de grandes cartazes nas fachadas. Um contexto muito adequado para a sua própria estética pictórica de grandes dimensões, protagonizada por anjos a afastarem-se do seu passado. Pejado de ruínas relacionadas com massacres, genocídios e outras formas de injustiça. Como a da Shoah, sentida como herança incontornável de uma identidade contraditoriamente sentida.
No regresso a Israel ele tenta compreender o momento político à luz da tradição talmúdica, que atribui uma particular veneração ao Monte do Templo, local emblemático da tradição judaica porque associado ao mítico sacrifício frustrado de Isaac por ordem divina. Ora, ocupado agora pela Mesquita Al Aqsa, os sionistas não têm condições para venerarem como desejariam esse símbolo da sua tradição. Por isso substituíram essa veneração ao Monte do Templo pelo mesmo sentimento em relação ao seu Estado, a quem respeitam enquanto ferramenta de Conhecimento e de Revelação. Um Estado apocalíptico, sempre à beira do abismo, como se a sua perspectiva futura não fosse a destruição, mas a reconstrução.
Udi Aloni também questiona uma célebre profecia do sábio Gersham Sholam que, em 1926, alertava quanto aos riscos de expansão da língua hebraica, porquanto ela perderia, dessa forma, o seu carácter simbólico.
Numa abordagem mais prosaica do que é o judaísmo de hoje, Udi leva-nos a conhecer a mãe, que fundou o Movimento dos Direitos do Homem, em Israel, para dar apoio a quem dele careça. Judeus, árabes ou de qualquer outra origem racial.
Ela execra os rabinos, que se orgulham da sua fé e defendem a destruição criminosa dos que a não professam.
Uma das amigas da mãe, aqui entrevistada, é a antiga ministra Hanan Ashrawi, que se vive hoje numa época muito perigosa devido à tentativa inimiga de desumanizar os palestinianos, arrasando-lhes as casas, como se eles tivessem culpa de existir.
Nas conversas com a mãe ou com Arafat, Udi Aloni defende o princípio de dois Estados independentes a viverem lado a lado, cumprindo o plano original de seis décadas atrás. E escandaliza os seus compatriotas ao solicitar perdão ao defunto líder palestiniano por cinquenta anos de sucessivas agressões israelitas nos últimos cinquenta anos.
Para ele não existe qualquer dúvida: o fundamentalismo palestiniano alimenta-se do próprio fundamentalismo israelita. A tragédia foi essa transição para o campo religioso de uma abordagem racional, só possível numa perspectiva laica.
Mas a esperança numa solução pacífica é logo condicionada pela diferença de opiniões entre Udi e a mãe a respeito do direito de retorno dos palestinianos desalojados em 1948. Mesmo progressista a anciã recusa essa hipótese que, por razões demográficas, depressa poria um ponto final ao Estado judaico. Ora Udi evolui o seu pensamento ao longo documentário ponderando na exequibilidade de existir apenas um Estado binacional onde todos se respeitem nas suas diferenças.
Para as mães de um e de outro lado a urgência é pôr um fim ao sacrifício dos filhos…

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