segunda-feira, agosto 07, 2006

As infelizes circunstâncias

«A Casa Quieta» do Rodrigo Guedes de Carvalho foi uma boa surpresa, agora que o acabámos de ler.
A princípio a influência do António Lobo Antunes condicionou a nossa apreciação: afinal um seguidor raramente se pode comparar a quem o inspirou. Mas, passadas as primeiras páginas, as opções estilísticas do autor foram-se definindo e dissociando de uma lógica de pastiche.
A história é muito simples: Mariana vai morrer de cancro, depois de uma vida quase inteira passada ao lado de Salvador.
Teria sido uma relação perfeita se existissem filhos (mesmo que só tardiamente os procurassem) ou se um incidente de vinte anos atrás não acinzentasse tudo quanto depois haviam vivido. Uma confissão de infidelidade de Salvador quando escalavam Nova Iorque antes de visitarem as irmãs de Mariana no Canadá.
Esse episódio voltará a mostrar-se pertinente quando, em vésperas da sua morte, Mariana exigirá dele a revelação da identidade dessa fortuita amante. E, não o conseguindo, invectiva-o por ter sido um verdadeiro salafrário, que tudo deitara a perder…
Mas Salvador era perdedor em muitos outros tabuleiros. Por exemplo, enquanto arquitecto, jamais conseguira criar uma casa sua, dispersando pelas muitas saídas do seu estirador os pormenores daquela virtualidade.
Não conseguira, igualmente, ajudar o irmão, António, condenado à irreversível loucura muitos anos passados sobre os traumas acumulados na experiência colonial.
Frustração, enfim, com um pai quase obsessivo na forma como orientara toda a sua vida e com quem jamais entabulara uma conversa franca nos jantares marcados para o mesmo restaurante de sempre.
«A Casa Quieta» acaba por ser um romance de amores infelizes. Porque dependiam de realizações profissionais, que jamais haviam ultrapassado a dimensão mediana dos talentos limitados. Mas, sobretudo, porque Salvador e Mariana perderam pelo caminho a capacidade para fazerem do seu Amor a obra de arte mais perfeita...

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