sábado, agosto 19, 2006

Podemos lembrá-lo, mas nunca celebrá-lo!

O centenário de Marcelo Caetano serviu de pretexto para um conjunto de reportagens televisivas e de artigos de jornal sobre a sua condição de ditador derrubado pela Revolução de Abril de 1974.
Se em muitos desses trabalhos não se iludiu o carácter reaccionário do seu pensamento político - excelente, por exemplo, o ensaio de Vasco Pulido Valente no «Público - noutros enfatizou-se em demasia o papel do ditador enquanto professor de Direito.
Eu que vivi todo o seu consulado numa altura fundamental para a minha formação enquanto indivíduo, não posso esquecer a personificação em Marcelo de tudo quanto, então, sentia de repressão, de castração mesmo do que, enquanto jovem, aspirava.
É com ele que conoto essa ameaça de partir para uma Guerra Colonial para a qual não sentia a mínima predisposição.
É com ele que conoto todo um fascismozinho doméstico em que a moral e os bons costumes contrariavam a mais natural emoção amorosa. O Portugal maledicente, que se alimenta de boatos e de mentiras, não nasceu com as actuais revistas de coscuvilhices: estas mais não aproveitam, que uma herança larvar, ainda bem presente na cabeça de muitos portugueses.
É com ele - um hipócrita ateu, que se usava do obscurantismo religioso difundido pela Igreja - que se continuou a fomentar o misticismo em torno de Fátima na expectativa de distrair os cidadãos de outras crenças mais eficazes.
Foi no tempo de Marcelo, que prosseguiram as investidas da Polícia de Choque ao campus universitário do Campo Grande, sob a égide de gente sem escrúpulos como o eram e são José Hermano saraiva ou Veiga Simão.
É com ele que Ribeiro Santos é assassinado e que muitos caixões continuaram a vir de África.
É com ele que o Padre Sobral era frequentemente levado para Caxias, só voltando passadas semanas.
É com ele que o país estava «orgulhosamente só» e ser identificado como português no estrangeiro era motivo de vergonha.
Cem anos passados sobre o seu nascimento podemos lembrá-lo como protagonista das negras páginas vividas em Portugal na viragem dos anos 60 para os anos 70. Mas é-nos impossível homenageá-lo ou celebrá-lo como pretendem alguns.
Há crimes, que não merecem perdão. E Marcelo foi responsável por muitos eles...

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