domingo, agosto 06, 2006

O mito da inocência infantil

No balanço do que foi e será este ano de 2006, quando se equacionar o ocorrido na Justiça será bem negra a página em cujo rodapé figurar a sentença do caso do transexual assassinado no Porto.
A pena aplicada aos criminosos deveria levantar um coro de indignação que, infelizmente, não se faz ouvir neste país encerrado para férias.
A decisão do Tribunal acaba por insultar o sofrimento da vítima e por desculpar a perversidade dos homicidas. A quem a idade serve de desculpa …
Ora, já se encarara com este cenário no caso de pedofilia na Casa Pia em que as crianças foram sacralizadas como vítimas inocentes e os seus clientes diabolizados e sujeitos a ostracismo colectivo.
E assim se criou um mito em nada consonante com a realidade, que traduz a realidade numa perspectiva maniqueísta em que as crianças são sempre inocentes e os adultos culpados, ora de serem diferentes (no caso de Gisberta), ora de se socorrerem do sexo pago para se satisfazerem.
A realidade é, claramente, outra. As crianças podem ser adoráveis e ternurentas, mas também conseguem ser odiosas e viciosas.
E se provém de origens sociais em que a desestruturação do quadro familiar suscita uma negação dos valores comummente aceites, temos delinquentes em potência, que não olham a meios para satisfazerem os seus desejos. Que podem ser sexuais - porque nem o inefável dr. Pedro Strecht conseguirá negar existirem na criança desde que nasce - ou de mera aquisição de bens de consumo.
Embora desconhecendo qualquer das alegadas vítimas desse caso de pedofilia, conjecturo a possibilidade de algumas delas até nem terem sentido problemas de consciência em prostituírem-se para auferirem roupas de marca ou gameboys.
E, no caso de Gisberta, pode-se sentir alguma complacência por quem torturou outro ser até à morte?
Que tipo de adultos irão ser, quando a idade já não lhes servir de álibi?
A solução engendrada por um partido parlamentar - imputar condenações severas a partir de uma idade mais baixa - não servirá para evitar recorrências de tragédias deste tipo.
Se fosse assim os violadores e os homicidas pensariam melhor antes de executarem os seus crimes …
A solução passa, pois, por uma sociedade diferente, que exija sentido de responsabilidade a quem decide ter filhos.
Só avançando para esse projecto com a garantia de se desejar, de facto, gerar um novo ser como corolário de uma relação amorosa perspectivada como perdurável, se evitarão verdadeiros
«monstros sociais» condenados a, mais tarde ou mais cedo, apodrecerem nas prisões…
Daí a importância da despenalização do aborto. O autor de «Freaknomics» já demonstrou, estatisticamente, como uma mudança legal nesse sentido fazia diminuir os índices de criminalidade vinte anos depois.
Parecendo difícil achar relação causa-efeito entre essas duas realidades não é difícil adivinhar passados afectivos problemáticos nessas crianças atiradas para instituições do tipo da Casa Pia ou das Oficinas de S. José. Que se traduzirão em comportamentos associais em muitos deles, quando chegam à vida adulta!
Ou muito antes disso mesmo acontecer como se viu no crime do Porto…

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