quarta-feira, outubro 12, 2005

UM CONCERTO DESCONCERTADO

Tinha tudo para ser um concerto memorável. Para começar havia o discurso entusiasmado do José Maria de Freitas Branco sobre o papel de Franz Schubert no Romantismo. A lembrar a mesma convicção esclarecida do pai, quando antes e depois do 25 de Abril assumia um papel quase quixotesco de divulgação da grande música universal.
E ficámos, assim, informados sobre a curta vida do compositor, a sua contínua opção pelas tertúlias boémias, aonde apresentava muitas das seiscentas canções, que compôs em tão curto intervalo de tempo. E também sobre a sua adesão aos ideais da Revolução Francesa em contracorrente à tentativa de repor o Ancien Regime na sequência da derrota de Napoleão Bonaparte. E sobre a arte do «lied» em si: a equiparação em importância entre pianista e barítono, entre as palavras poéticas e os sons musicais, que as ilustravam.
Para complementar essa explicação o conferencista mandou entrar Manuel Pedro Nunes e Vera Prokic. Que em pequenos trechos demonstraram essas prévias explicações. Num momento mais confessional, José Maria contaria como uma das canções desse ciclo do «Canto do Cisne» havia desempenhado tão importante papel na sua história de amor pessoal. Com a ausente amada com quem cumpria neste dia vinte e nove anos de felicidade conjugal. E por isso dedicando-lhe esse tema à distância…
Mas, nessa altura, já a sala estava a ser perturbada por alguns sons inaceitáveis num concerto: crianças acabadas de desmamar para quem um concerto deste tipo se revela uma insuportável provação iam fazendo barulho com os seus super heróis e as suas barbies perante a exagerada complacência dos seus irresponsáveis progenitores Atrás de nós havia quem andasse sempre a mexer em papéis, perturbando uma audição, que mereceria ser mais atenta.
E às costumadas tosses juntou-se o inevitável toque de telemóvel numa reiterada demonstração da falta de civilidade de tais espectadores, que desmereciam, sobretudo, do apreciável esforço do cantor e da competência inatacável da pianista.
Claro que as catorze canções do ciclo em causa foram lindíssimas, mesmo que distantes da interpretação de referência de Dietrich Fischer Dieskau…
E ainda tivemos direito a mais dois encores, durante os quais aconteceu o mais inimaginável: o aparecimento de um cão pela porta lateral, que logo se dirigiu à pianista e ao cantor, antes de ser atraído pelas festas do João Maria de Freitas Branco.
O concerto ficou, pois, seriamente prejudicado por tais factores. Porquanto Schubert - e os seus intérpretes de ocasião - mereceriam uma atenção exclusiva, única forma de apreciar devidamente uma obra de génio...

Sem comentários: