domingo, outubro 16, 2005

«CHARLIE E A FÁBRICA DE CHOCOLATE»

Demorámos, mas acabámos por ver «Charlie e a Fábrica de Chocolate» do Tim Burton. Foi no Seixal, num Fórum cheio de miúdos, que depararam com um filme algo diferente do que poderiam estar à espera.
Apesar de se tratar de um conto infantil, com as características enunciadas por Bruno Bettelheim para os caracterizar: com a magia operada pelos seus cenários psicadélicos, mas também com o terror suscitado pela forma como se castiga o mal.
Um mal personificado em quatro miúdos particularmente odiosos: um glutão, uma presunçosa, uma mimada e um teledependente. E pelos progenitores, que os acompanham, quanto mais não sejam enquanto responsáveis pela sua má educação.
Mas, como sucede nesses contos educativos, o bem sai premiado e enaltece-se o valor da família: os pais e os avós de Charlie juntam-se-lhe enquanto novo proprietário da fábrica aonde os Oompa-Loompas prosseguirão o seu infatigável labor na criação de inexcedíveis chocolates.
Nesse sentido o filme é muito capaz de gerar alguns sonhos buliçosos nalguns dos miúdos, que enchiam a plateia. Consoante as suas pulsões mais subconscientes eles tanto poderão, adormecidos, sorrir com a ideia de um rio feito de chocolate como rebolarem entre os lençóis com a possibilidade de serem atirados para uma conduta de lixo ou sugados por um tubo…
Para um adulto o prazer situa-se mais no processo narrativo, mais contido na sua mensagem moralista do que a versão do mesmo conto de Roald Dahl dos anos 70, e no esplendor visual da fotografia de Rousselot. Ou aceitando as piscadelas de olho à sua cinefilia, que Burton vai semeando pelas suas sucessivas cenas. Quer invocando os seus próprios filmes - desde «Beetlejuice» a «Big Fish», passando pelo inevitável «Eduardo Mãos de Tesoura» -, quer invocando os alheios, com particular destaque para «2001, Uma Odisseia no Espaço», «O Silêncio dos Inocentes» ou «Psico».
A personalidade de Willy Wonka é, a esse título, ambivalente: caracterizada por paragens catatónicas, ela parecerá tão desconcertantemente simpática numas ocasiões, como indefinidamente inquietante em tantas outras. A vocação para servir de veículo da justiça, aliada à sua condição de filho do personagem desempenhado por Christopher Lee (como esquecer a sua ligação aos papéis de «Drácula») fazem prever um desenlace igualmente trágico para o jovem Charlie.
Não é isso que acontece, porque o final feliz é condição quase obrigatória nas histórias destinadas a um público mais jovem. A recompensa a Charlie acaba por descansar os espectadores com ele identificados, enfim reconfortados com o equilíbrio obtido no final.
Altura em que enquadramos a produção neste tempo em que os princípios de cidadania são recorrentemente violados, muitas vezes por quem maiores responsabilidades deveria assumir na sua defesa.
Por isso mesmo este filme é tão relevante, merecendo uma divulgação muito mais extensa. Porque poderia contribuir para exigir comportamentos mais construtivos dos seus jovens espectadores. Tornando-os melhores, mais exigentes com um futuro tão problemático.
A esse respeito, «Charlie e a Fábrica de Chocolate» vale por milhentos tratados de boa educação.

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