terça-feira, outubro 18, 2005

A MORTE DE PA KIN

Pa Kin, o ultimo gigante da geração de escritores chineses anterior à era comunista, morreu em 17 de Outubro, em Xangai, com cem anos. Nunca se saberá se sucumbiu à doença, como o anuncia a agência Nova China, ou se a família e as autoridades chinesas terão enfim acedido à sua vontade de eutanásia, como o reclamava há muito.
As suas obras mais importantes foram escritas antes da chegada dos comunistas ao poder em 1949, em particular a sua célebre trilogia largamente autobiográfica: «Família» (1937), «Primavera» (1938) e «Outono» (1940).
Pa Kin nascera em Chengdu (Sichuan) em 25 de Novembro de 1904, sob o nome de Li Feigan. O seu pseudónimo era em si um verdadeiro programa: a contracção dos nomes de dois anarquistas russos, Bakounine e Kropotkine! Porque Pa Kin foi anarquista, chegando a corresponder-se com Bartolomeo Vanzetti, quando este aguardava execução nos Estados Unidos.
Pa Kin vivia, então, em França para estudos, que nunca chegaria a levar até ao fim, e revoltara-se com o caso Sacco e Vanzetti, que o influenciará profundamente.
Esta tentação anarquista custar-lhe-ia caro: em 1958, Yao Wenyuan, futuro membro do «Bando dos Quatro» durante a Revolução Cultural, publica um texto intitulado «Sobre a ideologia anarquista no romance “Destruição“ de Pa Kin». Durante esse período controverso, os guardas vermelhos irão desfilar sob a sua janela a gritar: «Abaixo Pa Kin, o anarquista mal-cheiroso».
No entanto, Pa Kin fora um comunista disciplinado desde 1949. Aceitara reescrever toda a sua obra para a expurgar da influência anarquista. O herói de «Destruição», Du Daxin muda de ideologia nas edições dos anos 50, convertendo-se num “socialista revolucionário”.
A Revolução Cultural foi cruel para Pa Kin, mesmo que não chegando aos extremos do sucedido com o grande Lao She, «suicidado» em 1966 depois de se ver perseguido. Mais tarde, ele escreverá:
«Fui escravo durante dez anos. (…) Éramos joguetes de uma imensa burla. Essa descoberta foi um choque terrível, que muito me doeu. Nem queria acreditar, porque me fez perder todas as ilusões».
A mulher, Xiao Shan, sucumbe em 1972, vítima de um cancro impossível de tratar devido ao assédio então padecido por Pa Kin às mãos dos Guardas Vermelhos. Num texto comovente de 1979, quando o pesadelo já terminara, ele confiará o seu sentimento de culpa: «Ela ainda estaria viva se não fosse considerada a “cúmplice infame de um intelectual malcheiroso”. Em suma, fui eu a causa do seu sofrimento e da sua morte».
O escritor reclamará, a partir de então, a criação de um Museu da Revolução Cultural. Em vão, já que esse período negro da história maoísta continua muito apagado.
Enfraquecido pela doença, Pa Kin converteu-se progressivamente num ícone mudo, num monumento à glória da literatura comunista, que ele, efectivamente, serviu antes de se tornar sua vítima. Resta a sua obra, anterior a 1949, testemunha da sociedade chinesa feudal e dos tormentos de uma juventude atraída pelo ideal revolucionário.

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