segunda-feira, outubro 24, 2005

CULTURA AO CUBO

Que grande fim-de-semana a nível cultural!
Ontem, no Solar dos Zagallos, decorreu o penúltimo dos recitais subordinado ao Romantismo.
O conferencista voltou a ser o André Cunha Leal, a controlar melhor os nervos do que da primeira destas iniciativas. Ao demonstrar a passagem do Classicismo para o Romantismo ele evocou essa revolução estilística, que tornou obsoletas as regras canónicas até então dominantes no condicionamento da criatividade artística. Ao virarem-se para o seu íntimo, os compositores permitiram-se liberdades até então impensáveis. Explorando os seus estados de alma em comunhão com uma natureza tumultuosa em que a noite e as tempestades correspondem quantas vezes aos seus sentimentos angustiados.
Ou explorando o exotismo das civilizações orientais, muito embora para eles até os cenários ibéricos assumiam essa característica.
Para deleite dos nossos ouvidos contámos com o talento de dois jovens de 23 anos: Eduardo Regula no piano e Ricardo Mendes no violino. Interpretando a Sonata nº 1 de Beethoven, a Introdução e Rondo Capriccioso de Camille Saint Saens e o Zigueunerweisen do Pablo Sarasate.
Á nossa volta a sala estava cheia de ouvintes atentos. No único dos recitais deste ciclo aonde isto se verificou…
Hoje tivemos teatro e, outra vez, música.
No primeiro caso, «Animais Domésticos», a mais recente produção dos Artistas Unidos sob a direcção do Jorge de Silva Melo. Um texto difícil sobre a condição dos seres humanos numa sociedade aonde o direito à felicidade nem sequer é pressentido.
Há um idiota, que é capaz de o não ser, mas vive obcecado pelo desejo de, pelo menos por momentos, conseguir exilar-se da sua própria cabeça. Uma mãe que passa o tempo a contar barcos … ou carros. Uma mulher, que se rira de um rapaz muitos anos atrás, perseguindo-a hoje o sentimento de culpa por ser a responsável pela sua presente cegueira. Uma prostituta, que ensina palavras a quem as não sabe. Um empregado de jardim a quem o encarregado gosta de mostrar «ternura». Dois cães castrados, que nem sabem se são machos ou fêmeas.
É a grotesca comédia humana a desfilar perante os nossos olhos. Com notáveis interpretações de todos - mas todos - os actores, a maioria desconhecidos dos nossos habituais percursos teatrais. Mas deu para reconhecer a Elsa Galvão e o José Airosa, a Sylvie Rocha e o Gonçalo Waddington…
A acelerar atravessámos a ponte para comparecermos no último concerto do ciclo sobre o Romantismo no Solar dos Zagallos.
O conferencista era, uma vez mais, o fascinante José Maria de Freitas Branco, cuja erudição é mais sentida, que meramente colada.
Voltou-se a falar de Schubert e dos lieder, mas também desse canalha chamado Richard Strauss, cuja arte nada tem, porém a ver, com o seu comprometimento activo no nazi-fascismo.
Para interpretar umas treze canções voltámos a ter a soprano Ana Madalena Moreira. E, uma vez mais, à pujança da sua voz, capaz de chegar a registos extremamente exigentes, aliou uma expressividade muito sua, como se o seu coração batesse ao compasso daqueles lamentos perante a ausência do seu objecto amoroso.

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