sexta-feira, maio 26, 2023

Normalizações, rituais e desamores

 

1. Interessante a metáfora que o realizador sueco Ruben Östlund contou em forma de fábula no Festival de Cannes e que, a seu ver, reflete quão está assustador este mundo em que vivemos: provando a comida em vários restaurantes de um resort internacional, não lhe foi difícil comprovar que toda ela lhe sabia ao mesmo, apesar de apresentada como mexicana, italiana ou típica de outras origens. Só que, ao fim de alguns dias, a repulsa inicial desapareceu e até acabou por concluir que lhe sabia bem. Ou seja, aquilo que começamos por repudiar como inaceitável acaba por  normalizar-se dentro de nós e aceite como consumível...

2. Curiosa a distinção, que o realizador basco Vitor Erice faz entre ver um filme e visiona-lo consoante o sítio onde o possamos abordar. Com plena razão entende que um filme vê-se numa sala de cinema, enquanto a sua visualização é feita fora desse ritual, seja nas televisões, nos computadores ou nos telemóveis.

Implicitamente deveríamos recuperar o fascínio do passado, quando irmos ao cinema constituía atitude tão identitária quanto a de quem vai à missa ou à oração na mesquita.

3. Confesso que a profissão de fé pró-ucraniana na receção do prémio na Berlinale me incomodou por a achar desnecessária e oportunista. Se até então acompanhara a obra de João Canijo com curiosidade e simpatia, a bravata distanciou-me e justificou o adiamento da apreciação a Mal Viver e a Viver Mal, que rodou num hotel de Ofir durante a pandemia e com a colaboração de Leonor Teles na fotografia. Até porque não tenho particular empatia pela história de desamor entre as várias gerações das mulheres, que constituem a família aí representada. Ou pelos problemas vividos pelos vários hóspedes, que se vão atardando na singular arquitetura, que caracteriza aquele espaço.

 

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