quarta-feira, novembro 23, 2022

Miolo: um centenário e dois octogenários

 

17 de novembro de 2022

O centenário de Saramago tem merecido justo destaque em iniciativas que o celebram enquanto canónico escritor, filósofo e humanista. Ademais tornado indiscutivelmente importante na cultura portuguesa com um Nobel, que apenas teve o condão de mais amesquinhar quem o quis depreciar.

Nós vimos relendo-lhe os romances sempre rendendo-nos à sua qualidade e ao quanto contribuem para nos fazerem refletir sobre o quanto nos importa, nesta altura da vida, o estado do mundo e o de uma humanidade mais povoada de defeitos que de virtudes.

Circunstancialmente fazemos um parêntesis nessa abundante prosa para descobrirmos como eram os seus dias em Lanzarote de acordo com o testemunho de Pilar del Rio em A Intuição da Ilha. Que nos confirma a disciplina rigorosa com que se punha à secretária para lançar palavras no papel replicando o afinco do operário com orgulho no seu ofício. E de como era imensa a generosidade capaz de atrair quem o via como um daqueles incontornáveis maîtres à penser, em tempos imprescindíveis para ajudarem a avançar o pensamento ocidental, agora em estado letárgico com tanta distração a ele destinada por quem o quer amorfo e passivo. Aquilo que ele rejeitava liminarmente ser.

 

Por estes dias também se celebram os oitenta anos de Daniel Barenboim e de Martin Scorcese. Ao primeiro vi-o a dirigir o cada vez mais maduro Lang Lang e a West East Divan Orchestra em Salzburgo numa peça de De Falla, constatando-se-lhe os sinais de um envelhecimento, que não lhe retira nenhuma das qualidades de maestro, mas parece condicionar-lhe a vivacidade da expressão do rosto.

De Scorcese vamos regularmente revisitando os percursos golgotianos dos seus mais memoráveis personagens - o Travis de Taxi Driver, o Jack LaMotta de O Touro Enraivecido - mesmo se um deles, não menos representativo, o Henry Hill de Tudo Bons Rapazes – tivesse acabado por renegar quem quisera dele ter sua criação.

Apesar das suas preocupações religiosas convenceu muitas vezes este impenitente ateu, que confesso ser! 

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