domingo, novembro 20, 2022

Coisas Vistas: A omnipresença da morte

 

Tenho uma relação ambivalente com documentários em formato pré-necrológico. Por um lado reconheço-lhes o mérito de nos recordarem gente memorável associada a gratas experiências de vida. No caso de Antes da Vida Começar (2005), foi para filmes e peças de teatro, que remeteu - mas com a sensação de se focalizar em quem já tinha bilhete passado para o “outro lado”. Porque Isabel de Castro sabia iminente o fim anunciado pela prolongada doença!

Durante uma hora António Correia entrevista-a a propósito de uma longa e multifacetada experiência de vida, que tanto a fez escritora precocemente publicada aos 14 anos - com o mesmo título do documentário -, como a pisar os palcos nessa mesma idade, ora fazendo-a atriz de dezenas de filmes espanhóis e portugueses de qualidade mais do que duvidosa, como, depois, a comprometer-se com autores e encenadores, que lhe deram papéis de exigência totalmente diferente.

Naquela que foi a segunda ou a terceira vez, que o vi, Antes da Vida Começar contribui para perdurar a memória da atriz por mais uns quantos anos perdendo naturalmente interesse quando já não restarem em vida os muitos que a apreciaram nos ecrãs dos cinemas ou nas salas de companhias de teatro independentes.


2. A morte está também omnipresente em Histórias de uma Vida, a 16ª longa-metragem assinada pelo já octogenário Jean Becker baseado num romance de Jean-Christophe Rufin, e situada durante e no pós Primeira Guerra Mundial. Ora, como tive o avô materno na Flandres nessa mesma época e ficaram por lhe ouvir muitas das histórias lá vividas, é natural a propensão para não perder a oportunidade de as pressentir por intermédio de filmes, que a adotem como cenário de fundo.

Quatro personagens têm protagonismo na história: um juiz, que quer evitar uma condenação à morte; um prisioneiro demasiado orgulhoso para pôr em causa os juízos apressados e sem fundamento; a amante que lhe deu um filho e espera tê-lo de volta na quinta em que se isola; e o cão de fidelidade exemplar, mesmo tendo transformado em massacre uma conjura de índole revolucionariamente pacifista.

Em pouco mais de uma hora e um quarto temos os horrores da guerra e seu contraponto amoroso na proposta de um artesão - manifestamente Becker nunca foi, nem será um Autor! -, incapaz de conferir ritmo ao que afinal se configura como simplista nos desequilibrados flash backs. O curioso foi constatar que, quase sempre Becker conseguiu um público complacente, capaz de lhe evitar o sabor do fracasso comercial. 


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