A D. Quixote publicou, agora, num só volume, quatro colectâneas de contos de Gabriel Garcia Marquez escritos entre 1947 e 1992.
Embora se trate, em muitos casos, de uma revisão da matéria dada, regresso a eles com o fascínio de sempre pelo estilo inconfundível do escritor colombiano, feito de frases curtas e palavras definitivas quanto à caracterização das feições, expressões ou sentimentos dos seus personagens.
O que surpreende em Gabriel Garcia Marquez é a depuração absoluta do texto, aonde não se vislumbra qualquer redundância, que retire eficácia ao sortilégio criado em torno de quem se vê condenado a situações dramáticas incontornáveis.
Nas semanas vindouras, andarei a abordar aqui as quarenta e uma histórias, que integram esta volumosa colectânea.
Os primeiros três contos foram escritos em 1962 e integravam «Os Funerais da Mamã Grande».
O primeiro chama-se «A Sesta de Terça-feira» e passa-se num modesto povoado adormecido, quando se digere o almoço sob uma temperatura asfixiante. É em tal ocasião que uma velha e uma miúda vão bater à porta do padre para pedir-lhe a chave do portão do cemitério.
Acabadas de chegar no comboio, que ali acabara de parar, têm um par de horas para visitar a campa de Carlos Centeno. Tratava-se de um jovem morto na semana anterior, quando procurava assaltar uma casa cuja velha locatária dera uso a um revólver há muito arrumado, desde a época do coronel Aureliano Buendia.
As oito páginas são suficientes para Gabo revelar a falsa aparência inicial: em vez de adormecido, o povoado está vigilante e prepara-se para acompanhar com um olhar censório essa caminhada entre a igreja e o cemitério.
Bem o padre procura evitar às forasteiras tal provação, que a velha revela um orgulho de quem nada deve, nem teme. Razão porque o conto acaba com a frase: Pegou na mão da menina e saiu para a rua.
A segunda história ainda é mais curta. «Um Dia Destes» apanha um alcaide acometido de uma insuportável dor de dentes e obrigado a recorrer ao único dentista do povoado.
Decerto comprometido com a oprimida resistência à ditadura militar, o homem bem procura esquivar-se ao serviço, mas a ameaça é taxativa: ou tira o dente ou leva um tiro.
Resta-lhe como alternativa a extracção sem anestesiante, forçando o representante da repressão a sofrer uma pequena vingança pelo sofrimento que encarna.
«Neste Povoado Não Há Ladrôes» tem mais de vinte páginas o protagonista é um rapaz pouco esperto chamado Dâmaso, que procura iludir a pobreza com a aposta na actividade de ladrão. Mas é tão pouco inteligente e o povoado tão miserável, que volta do salão de bilhar com as três bolas com que os aldeões iam aí entretendo o seu tédio. Dinheiro, quase não havia, nem qualquer outro bem que pudesse transaccionar por dinheiro vivo.
Bem Ana, a jovem mulher, de ventre inchado pela avançada gravidez, o vitupera, que ele só aumenta a dimensão do seu desastre. E, quando perdido de bêbedo, vai tentar devolver as bolas ao sítio donde as surripiara, é apanhado pelo gerente, que espalhara a notícia do desaparecimento de duzentos pesos e agora o entrega à polícia para os poder «reaver».
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