Percy Fawcett terá facultado à família uma existência caracterizada pelas dificuldades financeiras devido à sua compulsão pelas aventuras na Amazónia.
Terá havido quem, psicologicamente, visse na atitude de Fawcett algo de explicável à luz das perturbações, que a ciência investiga.
Mas uma das abordagens interessantes dadas por David Grann no seu livro é o contexto histórico em que ocorrem as expedições organizadas pela Royal Geographical Society: com o desaparecimento da Rainha Vitória acaba a época de ouro do Império Britânico. Que começa a viver a angústia existencial de poder vir a estar em causa.
As revoltas anticoloniais ainda vêm longe e os Estados Unidos terão de viver a sua grande Depressão antes de reunirem condições para quererem tomar as rédeas do mundo depois da Segunda Guerra Mundial.
No primeiro quarto de século os britânicos já se inquietam com os sinais da sua decadência pressentidos na perda de virilidade dos seus conquistadores, como resultado da educação propiciada nos selectos colégios internos ou nos rituais de uma aristocracia, que persegue raposas a cavalo.
Fawcett desprezará esses a quem considera fracos ou cobardes. Para ele e para outros, que o imitam no desejo de conhecimento do que houver ainda por descobrir, a superioridade de uma cultura é baseada nesse esforço tenaz pela superação de todas as fronteiras.
Por isso o relato das suas aventuras entusiasma sobretudo essa pequena burguesia ávida de um outro universo, ainda desconhecido, em que os seus direitos e aspirações ganhem outra dimensão de realidade.
No fundo a actividade geográfica de Fawcett presta-se a essa ambiguidade: ora servem o discurso ideológico imperialista, que defende a superioridade de uma raça sobre as demais ou a fundamentação de uma comunidade de nações regidas pelo mesmo soberano (a commonwealth). Mas serve, igualmente, o discurso dos que não se intimidam perante as piores das dificuldades e decidem ir à conquista dos impossíveis. Arriscando aí a própria pele…
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