domingo, outubro 18, 2009

A TECTÓNICA DOS SENTIMENTOS

Serão as relações humanas equiparáveis aos fenómenos ocorridos nas placas tectónicas?

Eric-Emmanuel Schmitt pensa que sim: a tal ponto que intitulou «A Tectónica dos Sentimentos» à peça que levou à cena no Théatre Marigny em Janeiro de 2007 e publicada em livro no ano seguinte.
O que está em causa é o substrato vulcânico das nossas emoções, quando vivemos o sentimento amoroso. Umas vezes as duas placas justapostas vão coexistindo harmoniosamente, roçando uma na outra, deslocando-se a par sem causar problemas à volta. Mas, quando uma se quer sobrepor à outra, quantos cataclismos podem surgir! Terramotos, tsunamis, erupções de magma e outras consequências dramáticas, que tudo põe em causa.
O orgulho dos dois amantes é fundamento relevante para tais perturbações. Assim o demonstram Diane e Richard, os protagonistas da peça. Ela é deputada com reconhecido trabalho na tentativa de resgatar prostitutas da espiral de violência em que se deixaram enredar. Ele um milionário com tempo excessivo para se dedicar aos afectos que, aparentemente, o acabam por enfadar.
Durante uns anos ele assediara-a com propostas de casamento, que ela sempre rejeitara. É agora, quando está disposta a aceitá-lo, que Diane dá um passo em falso: testa-o na convicção dos seus afectos, dizendo-se cada vez mais esfriada a seu respeito e questionando-o se não sente o mesmo.
Em vez de o ver negar essa possibilidade, Diane tem a desagradável surpresa de o ver corroborar esse esfriamento da relação e a propor-lhe a ruptura imediata.
O despeito de uma mulher traída nas suas expectativas tem nela um exemplo lapidar de como só na vingança se poderá compensar. E vemo-la, então, convidar duas prostitutas romenas, Rodica e Elina a prestarem-se a uma missão humanitária: Richard estaria com um cancro em fase terminal e seria desejável proporcionar-lhe uma despedida em grande. Para isso Rodica faria de mãe da bela Elina e esta passaria por uma jovem estudante chegada a Paris para frequentar a Faculdade e ainda completamente desconhecedora dos meandros do amor.
Começa então um jogo do gato e do rato, com Diane a manipular as duas mulheres como se fossem marionetas e Richard a desesperar de nunca chegar a vias de facto com a desejada, mas inacessível Elina. Até que, como única alternativa, Richard decide desposar a rapariga.
É o tão esperado momento da vingança: Diane divulga o passado de Elina, expondo o ex-amante ao ridículo na influente sociedade parisiense.
O feitiço voltará, porém, a virar-se contra o feiticeiro: ao saber de todas as maquinações de Diane, Richard perdoa a Elina a quem aprendera a amar profundamente e acaba por revelar à ex-amante como ele próprio sofrera ao prestar-se ao papel de desinteressado no dia em que ela o testara e assumira um papel então impensável: é que, na época, ele amava-a mais intensamente do que ela julgara.
A peça acaba por ser ligeira, com laivos de comédia à Feydeau, particularmente no recurso aos equívocos de julgamento, mas não deixa de ser muito séria quando demonstra o perigo da desconfiança, quando o Amor deverá significar precisamente uma enorme aposta no seu lado exclusivamente positivo.

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