Quando duas personagens convergem para um mesmo espaço e se tornam cúmplices nas mesmas vivências a partir de um ponto inicial, que era o de nem sequer se conhecerem até aí, o natural será surgirem muitas histórias passadas, seja com eles mesmos, seja do espaço aonde estão cingidos.
É essa a lógica de «Deixem Passar o Homem Invisível», romance de Rui Cardoso Martins em que temos um advogado cego e um escuteiro de oito anos a atravessarem meia Lisboa debaixo do chão depois de serem arrastados por uma enxurrada para um dos caneiros da cidade.
Cá em cima afadigam-se outros personagens, uns por ofício (os bombeiros, uma arqueóloga), outros por conhecerem os desaparecidos (a mulher do cego, a mãe do miúdo e um mágico chamado Serip) e o que vai sobressaindo é uma análise bastante crítica a uma sociedade aonde as obras de manutenção dos espaços públicos não se fazem a tempo e os desastres, quando sucedem, nunca são devidamente ressarcidos nos respectivos prejuízos porque o conceito de justiça passa sempre por minimizar os custos do Estado.
Sem constituir prosa memorável, o romance do jornalista das Produções Fictícias, está muito bem escrito, revela uma apreciável erudição quanto à história da cidade e a viagem de António e de João desde S. Sebastião da Pedreira até ao rio lê-se com agrado e expectativa.
Literatura também é esta arte de contar boas histórias
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