segunda-feira, abril 09, 2007

KEVIN CARTER: A OBSCENA DICOTOMIA DE UMA FOTOGRAFIA

É uma fotografia terrível já com catorze anos: no Sudão uma miúda já não tem forças para chegar ao campo de refugiados a um quilómetro dali e tomba de exaustão, de derrota. Ali perto, um abutre aguarda: ele sabe quão pouco falta para ter acesso a um a nova refeição.
O autor desta fotografia, premiada em 1994 com o Pulitzer, foi o sul-africano Kevin Carter, que já parecia vacinado contra todos os terrores por si presenciados em sucessivos cenário de guerra. E só sobreviveria quatro meses a essa consagração, já que deprimido pelo facto de não ter ajudado a criança a encontrar a salvação, se suicidou com monóxido de carbono com apenas 33 anos. Na nota, que acompanhou o seu gesto derradeiro, ele confessava o paradoxo de se sentir como outro urubu na mesma imagem: tal qual o necrófago, ele aguardara longos minutos pelo voo rasante da ave até se decidir a captar assim a imagem e a afastar depois o urubu…
Jornalista com consciência, Kevin Carter não se conformara com o seu papel face a um drama humano, que o ultrapassava.
No drama da criança exangue está bem presente essa obscena dicotomia entre um ocidente abastado e voyeur perante um cenário africano pejado de terríveis vinganças…

Sem comentários: