terça-feira, novembro 01, 2005

LISE SARFATI

Em 2003, Lise Sarfati esteve duas vezes nos EUA durante dois meses. De carro percorreria vários Estados (Texas, Geórgia, Carolina do Norte, Oregon, Califórnia…), com a ideia de fotografar seres humanos nas paisagens, e não separados como nos seus trabalhos precedentes na Rússia. Mas, ao fim de uma semana de viagem, ela constatou não ter conseguido até então um único encontro: «A única altura em que vi pessoas foi quando meti gasolina. Aquilo é um cenário de ficção científica: não está lá ninguém. A geografia dos EUA é muito simples. Os Americanos contentam-se em sairem de casa para o local do trabalho ou ao supermercado. Então perguntei-me: como poderei ver pessoas. E a única maneira era ir-lhes bater à porta».
A fotógrafa francesa, que em tempos de fobia anti-francesa, se dizia belga, abordou os seus futuros personagens em motéis baratos, à saída das escolas, nos supermercados, raramente na rua. Depois negociou com os pais (todos viviam com os pais) para os fotografar em casa, em interiores, ora de caravanas, ora de casas hollywoodescas.
Mas, em Lise Sarfati, não se encontra um trabalho sociológico sobre a juventude norte-americana. As suas imagens são ficções, que se credibilizam na forma como os «teenagers» solitários, cientes da fotogenia da sua idade, se expuseram perante a câmara, tornando-se dela cúmplices.
Há perucas, acessórios, roupa vestida à pressa.
A maioria não olha para a câmara , como se fixassem um lugar imaginário apenas deles conhecido.
Pelas páginas do portfolio passam três dezenas de raparigas e de rapazes em supermercados, em parques de estacionamento..
Explica Lise: «Eu queria que os personagens olhassem com aquela expressão carregada de emoções, que viremos a questionar o resto da vida».
Numa enorme cama de madeira, um rapaz prepara mentalmente o seu dia, como um Oblomov (do escritor russo Gontcharov) a arranjar argumentos em favor da inacção.
Numa cozinha uma rapariga está com um ar perdido, como se fosse uma poetisa reclusa vestida de longos panos brancos. Uma outra está deitada no sofá, com uma expressão derrotada. Como se sentisse a decepção de se ver no seu próprio corpo dentro daquele salão vazio.
«Quando os visitava, eles perguntavam: “O que é que fazemos?”. Eu respondia: “Não sei”. Deixava as coisas evoluírem, decomporem-se.
Lise Sarfati, assumida fã de Robert Bresson, cita de memória o cineasta a respeito dos seus actores não profissionais: «É preciso deixá-los agirem por si, para seres então tu a agires neles».
«Com tais personagens conseguia chegar aos meus objectivos. A jovem e a morte, a jovem em fuga… Quando fiz este trabalho oscilava entre personagens um pouco perversas e as do tipo das de Emily Dickinson».
Janelas, enquadramentos de portas, espelhos, um frigorífico aberto, a barreira de uma varanda… Lise Sarfati adora os cenários fechados, que se interligam com o enclausuramento dos corpos. Sem céu, mesmo nos jardins. Mas uma densidade de cores, detalhes que enriquecem cada micro-história, enunciada antes da fotografia e que prossegue para além dela...

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