quarta-feira, novembro 02, 2005

SIGNORET E ARENDT: DUAS TESTEMUNHAS DO SEU SÉCULO

Huguette Bouchardeau era-nos conhecida de outras actividades. A de ministra, por exemplo, em governos socialistas… Mas, retirada da política activa, ela dedicou-se à biografia de Simone Signoret a quem muito admirou. Não apenas pelo seu talento enquanto actriz, mas também pelo seu papel activo nos grandes combates do seu tempo.
Ainda hoje ela continua a ser a única actriz francesa a alguma vez ser galardoada com um Óscar. Apesar do sucesso, acompanhá-la-á uma contínua culpabilização: primeiro, pelas suas origens burguesas; depois, por ter trabalhado, aos 18 anos, num jornal colaboracionista, cujos colegas eram-lhe muito simpáticos, apesar de ignóbeis. Enfim, por ter acreditado nas virtudes de uma União Soviética, cuja deriva totalitária não deixaria, depois, de condenar…
Numa época de maior militância, ela era capaz de chatear todos quantos a rodeavam para garantir mais um assinatura numa qualquer petição. Nesse sentido manterá, até ao fim, uma espécie de genuína ingenuidade…
Outra biografia, agora publicada em França, é a de Hanna Arendt («Dans les pás d’Hannah Arendt», Gallimard). Da autoria de Laure Adler, que reivindica a capacidade de associar as ideias da filósofa alemã à interpretação do caos actual do mundo, localize-se ele no Médio Oriente, na crise dos sem papéis ouda globalização. A sua vida, que percorre grande parte do século XX (de 1906 a 1975), será consagrada a todas as questões morais, sociais e políticas com que se depara. A filosofia será a sua resposta para os tormentos existenciais por que passa. Tanto mais que, adolescente, ela vive o drama de não se conseguir aceitar no seu corpo. Mesmo que a orgulhem as suas raízes judaicas, que a levam a perfilhar o sionismo, antes de inflectir para um convicto anti-sionismo. E será ela, um dos primeiros intelectuais de esquerda a pressentir o perigo, que Hitler viria a constituir…
Laure Adler enfatiza, igualmente, a desadequação de Arendt em relação às convenções, reivindicando uma permanente independência ideológica. Que a levará a entrar em polémica durante o julgamento de Eichmann com quem dele adoptava uma perspectiva meramente maniqueísta. Nesse torcionário nazi ela via explicitada a banalidade do mal, por não só ele se mostrar incapaz de entender o monstro em que o tornara a opção por cumprir as ordens recebidas, como sobretudo por nunca ter sentido a volúpia da transgressão.
Mas, numa figura tão complexa ficará por perceber como Hanna Arendt nunca se libertará da sua paixão por Heidegger, de cujo passado nazi depressa se deixou de poder duvidar...

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