sábado, fevereiro 17, 2024

Histórias Exemplares (XIII) - Os espetáculos entre os impulsos e os demorados processos criativos

 

É tido como um concerto lendário: o que Daniel Barenboim dirigiu em 12 de novembro de 1989 em Berlim, à frente da respetiva Sinfónica, e oferecido aos que haviam atravessado o Muro  à procura dos mais exagerados sonhos.

Quer quem o viu ao vivo, quer quem esteve nesse dia do lado da orquestra, fala como sendo um efémero momento de união, de partilha, que dava azo a conjeturar quase utópico tudo o que se seguiria.

Que não foi assim demonstraram-no os anos seguintes: perdeu-se a ilusão igualitária, que se procurara impor no lado leste, mas também a ideia de se ter tratado do fim da História com a definitiva vitória do capitalismo consumista e ecologicamente depredador.

O mais perturbante é, porém, campear o neonazismo onde se sonhara com a justiça social racionalmente mais óbvia, confirmando a indesculpável amnésia na espécie humana incapaz de retirar as devidas lições dos próprios erros.

2. Confesso nunca ter apreciado particularmente as propostas de Vera Mantero, embora a entenda inserida nas novas linguagens capazes de me darem maior prazer sensorial do que, por exemplo, a majestosidade talentosa, mas académica do  Bolshoi.

O documentário a ela dedicado por Cristina Ferreira Gomes, acompanhando o processo criativo da coreógrafa durante um ano para resultar no espetáculo O Susto do Mundo, ajuda-me a rever a apreciação anterior. Isso confirma que possa haver uma outra forma de olhar para a realidade , quando nos dotamos de elementos para fundamentar as nossas opiniões. Porque reconheço ter chegado às abordagens artísticas em causa olhando-as empiricamente sem saber mais do que as folhas de sala iam facultando, quase sempre expressando um conjunto de intenções difíceis de apreender por quem não lhes entendeu o fundamento.

O trabalho de Cristina Ferreira Gomes tem esse condão: o de ilustrar a pesquisa constante e questionamento incessante operados por Vera Mantero na preparação das obras. Dando a ideia de tratar-se de uma qualidade - a da insegurança perante os grandes temas nelas versados - o que parecia ser uma fragilidade.

Talvez não dê para vencer a sensação de estranheza perante quanto vira até agora, mas talvez permita deixá-lo entranhar-se mais facilmente, quando voltar a olhar-lhe para a forma como faz movimentar os corpos em palco. 


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