segunda-feira, fevereiro 12, 2024

Histórias Exemplares (XI) - Crenças irracionais

 

1. Misteriosas me serão sempre as razões, que leva grande parte da humanidade a entregar-se à crença num qualquer deus e lhe devota culto fanático, que um mínimo de racionalidade tenderia a descartar. E pouco importa que gente inteligente tenha porfiado em desmascarar a farsa pois conjugam-se as estratégias do poder político e religioso para suportarem o que a ambos convém, quer como forma de se perdurarem, quer de enriquecerem. E assim se valem da “inocência” (chamemos-lhe assim para sermos benevolentes!) dos crédulos.

Émile Zola procurou desmontar o embuste em 1891, quando foi alojar-se dois anos de seguida em Lourdes para assistir ao espetáculo da cidade “mística” surgida das “visões” de uma criança. E assim documenta tudo quanto vê durante as peregrinações: o cortejo dos doentes, mas também a despudorada mercantilização em torno do que, supostamente, sucedera na gruta.

O personagem principal é um padre comovido pela dor e esperança dos que supostamente deveria confortar na sua fé, mas cada vez mais duvidoso do fundamento desta dentro de si. Por isso mesmo trata-se de uma novela muito interessante sobre o confronto entre a razão e a crença no irracional.

Pessoalmente também fui ver o fenómeno muitos anos atrás - como não deixei de o ver replicado em Fátima - mas, tantos anos depois de pouco me lembra esse lado folclórico do sítio. Do que melhor me ficou foi um passeio de barco pelo lago da cidade, a Elza com o seu maravilhoso sorriso e a filha sempre ávida de ver respondidas as suas intermináveis perguntas. Tanto quanto me lembra em nada relacionadas com quanto ali víramos até então.

2. Um soneto de Shakespeare deu a Lydie Salvayre o pretexto para pensar a Sucessologia, uma espécie de ciência, que ignora o talento e a genuinidade dos seres em proveito de tudo quanto possam fazer para se salientarem, e tornarem-se admirados, pelo menos para aqueles que gostariam de lhes replicar o feito.

Parodiando os manuais de autoajuda, a escritora demonstra como o parecer prevalece sobre a integridade nos que tudo fazem para alcançar a notoriedade por muito efémera se revele. Porque, numa sociedade votada ao consumo, tudo tende a assemelhar-se à pastilha elástica, que se mastiga e logo deita fora.

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