sexta-feira, fevereiro 26, 2016

DIÁRIO DE LEITURAS: O pretexto para falar da realidade entretendo

Um dos livros que ando a ler propositadamente mais devagar, para o ir apreciando devidamente, é «As Mãos Desaparecidas» de Robert Wilson. Mais do que um mero policial, ele é o exemplo paradigmático de como se consegue equacionar a realidade em que vivemos a partir de uma proposta de entretenimento inteligente.
A partir do homicídio ocorrido num dos bairros mais elegantes de Sevilha o autor americano, que tem vivido em Portugal, coloca questões relacionadas com o franquismo, as ditaduras latino americanas, as mafias russas, os negócios imobiliários no sul de Espanha ou as reputações assassinadas pela imprensa sensacionalista.
Já tendo passado do meio do livro de mais de trezentas páginas, vou conjeturando sobre o final - mormente nas razões para as mortes violentas de um construtor civil e da sua depressiva esposa - e vou usufruindo da forma como Wilson complexifica a intriga e a vai complementando com à partes em que reflete as suas opiniões políticas. Como no trecho, que se segue, retirado da página 174, e em que uma personagens, um arquiteto americano associado a uma das vítimas, vê cinicamente a natureza do imperialismo:
O império americano não é diferente de outro qualquer. Achamos que a razão de nos termos tornado tão poderosos não foi apenas por termos dominado os meios necessários no momento certo da história para vencer  o outro único adversário, mas também porque temos razão. Quebrámos toda uma ideologia, não com uma bomba atómica, mas com a mera brutalidade dos números. Forçámos a União Soviética a jogar o nosso jogo e arruinámo-la. E é essa a grande força da ferramenta do nosso império - podemos invadir sem penetrar fisicamente. Podemos comandar tendo o aspeto de uma força do bem. O capitalismo controla uma população dando-lhe a ilusão de liberdade e escolha enquanto a obriga a aderir a um princípio rígido, ao qual só pode fazer frente pagando o custo da ruína pessoal. Não há nenhuma Gestapo nem câmaras de tortura… é perfeito.”
Muito provavelmente ainda aqui voltarei para acrescentar algo mais sobre o desenlace imaginado pelo autor.

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