domingo, fevereiro 14, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Dentes-de-leão» de Carine Tardieu

A primeira vez que senti a ameaça da morte, não apenas para os familiares mais velhos a quem as longas doenças se concluíam com o alívio das dores através do passeio derradeiro até ao cemitério, foi quando um colega de escola acabou debaixo do rodado de um camião. Depois, nos anos que se seguiram, vi desaparecer acidentalmente uns quantos dos que comigo compartilhavam brincadeiras e aulas no liceu.
A morte figurou, desde então, como aquela figura sinistra que, já adolescente, surpreendi a jogar xadrez com um cavaleiro medieval no ecrã gigante do antigo Monumental e capaz de abreviar-nos a enorme ânsia de viver.
Inesperadamente, e sem que durante todo o filme, o pressentisse, é esse o tema mais relevante de «Dentes-de-leão», adaptação cinematográfica de uma banda desenhada e de um romance de Raphaële Moussafir: «Du vent dans mes mollets». Ela e a realizadora, Carine Tardieu coassinaram o argumento e os diálogos do filme, que constituiu um desafio rapidamente superado devido à empatia imediata estabelecida entre ambas.
A história passa-se em 1981, no mesmo ano em que Mitterrand teve a vitória da força tranquila, embora esse acontecimento passe totalmente ao lado do filme.
Em vez do encontro com um dos momentos de viragem na vida coletiva francesa há uma crónica familiar com as personagens progressivamente conduzidas a emoções mais fortes.
Inicialmente existem as pequenas angústias de Rachel, uma miúda de 9 anos a quem a mãe leva à psicóloga por dormir com a mochila de ir à escola. A seu ver existirão angústias, que carecem ser sujeitas a catarse. Mas depressa somos levados a concluir que a disfuncionalidade do quadro familiar explica bem melhor essa «originalidade» da miúda do que quaisquer razões a ela cingíveis. A mãe divide o tempo entre o seu consultório de oftalmologista e o caótico apartamento. O pai, apesar de instalador de cozinhas, dá-se à preguiça e nada faz para melhorar o espaço onde a família se encontra.
Porém, quando lhe surge à vista a mãe solteira de uma das colegas da filha, ei-lo entusiasmado a refazer-lhe gratuitamente o mobiliário.
A ação vai-se desenvolvendo entre as cores infantis de um universo de casa de bonecas e a descrição bem menos ingénua dos laços familiares e amorosos.
Rachel e Valérie acabarão por descobrir as infidelidades dos professores da escola e resguardam-nas no sigilo da sua cumplicidade quase exclusiva.
Carine Tardieu dedica particular importância às relações entre rivais femininas ou as distâncias assumidas pelas filhas em relação às respetivas mães. Mas, inesperadamente, concluir-se-á n tema bem mais complicado da morte, já que Valérie não resistirá a uma operação cirúrgica ao apêndice.
A infância de Rachel será marcada não só pelas recordações relativas ao pai, que sobrevivera aos campos de concentração, como sobretudo à faceta cruel da realidade, onde a melhor amiga, junto de quem vivera as descobertas mais determinantes, se transforma numa saudosa ausência.

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