A reedição francesa do testemunho de Jan Karski, resistente polaco, que dera conhecimento a Roosevelt, em 1943, da realidade da «Solução Final» nazi tem servido de argumento para uma intensa polémica entre duas posições ideológicas absolutamente opostas.
Por um lado há os que defendem o estatuto de criminosos de guerra para Roosevelt e Churchill por terem sabido da existência dos campos da morte logo em 1942 ou 1943 sem que evitassem o subsequente extermínio de milhões de judeus.
Pode-se dizer que esta visão á assumida por fundamentalistas apostados em considerar o problema judeu como eixo central da Segunda Guerra Mundial, apesar de se contarem pelo triplo as vítimas soviéticas, normalmente tão menosprezadas. Não admira que sejam também estes os defensores da actual política de extermínio de Israel a respeito dos seus vizinhos palestinianos, naquilo que se revela um triste paradoxo em que o oprimido de ontem decide oprimir quem hoje se revela mais fraco e utilizando métodos como os que conhecera no seu dramático passado.
Temos, depois, os que possuem uma visão oposta: apesar de conhecerem a terrível realidade de Auschwitz e dos outros campos de concentração, Roosevelt e Churchill, a par de Staline, procuravam as melhores vias para vencerem uma guerra aonde se sucediam os avanços e os recuos e perante uma retaguarda interior aonde não deixavam de reagir os germanófilos.
A quem estranha o facto de não se terem bombardeado as linhas ferroviárias, ou mesmo os crematórios, pode contrapor-se o facto de as primeiras, apesar de sujeitas a sucessivas sabotagens por parte da Resistência, serem rapidamente repostas na sua operacionalidade pela capacidade organizativa da estrutura nazi. E quanto aos segundos, o erro de cálculo para os bombardeamentos era então muito elevado e quase por certo implicariam bombas a atingir os pavilhões de prisioneiros. Com o que a propaganda nazi não deixaria de aproveitar.
Trata-se, pois, de uma polémica sem sentido histórico, porquanto, à distância, perdem-se as coordenadas fundamentadoras das decisões então tomadas pelos políticos aliados. E até mesmo Pio XII dificilmente poderia ter feito mais do que aquilo que esteve ao seu alcance, já que não devemos esquecer como até à sua residência de verão em Castelgandolfo serviu para esconder algumas centenas de judeus, de outra forma sujeitos à deportação.
A polémica actual visa, pois, ganhar dividendos neste presente em que se procura identificar o criminoso governo de Telavive do sofrimento relacionado com a Shoah.
Nada justifica que, em nome do direito à sobrevivência de uma determinada raça humana, se procure destruir outra, espoliando-a dos seus haveres, acantonando-a em guetos e promovendo a sua destruição progressiva.
Pelo respeito que merecem as vítimas do Holocausto, os seus supostos descendentes deveriam ser muito rigorosos na aplicação de comportamentos humanistas em que imperassem o respeito pelas convicções alheias e pela propriedade alheia. Quão distante está o actual governo israelita dos que imaginaram essa terra como o espaço de eleição para uma forma utópica de comunismo em que os proventos da terra eram trabalhados e usufruídos colectivamente…
Do livro de Karski ficam alguns episódios terríveis por ele presenciados clandestinamente na sua actividade de resistente polaco contra a ocupação alemã: por exemplo o exercício de tiro assumido por jovens adolescentes alemães, fardados com as vestes da Juventude Hitleriana, contra os esfaimados sobreviventes do massacre no gueto de Varsóvia. Ou como os deportados eram amontoados dentro de vagões dirigidos a Auschwitz sem terem espaço para sequer respirarem e aonde a cal espalhada no pavimento servia para ir desidratando os infaustos passageiros até os matar em terrível agonia mesmo antes de chegarem ao seu definitivo destino.
Dois exemplos de como o nazismo significou a crueldade no seu estado mais puro, apesar de implantado naquele que era um dos povos mais cultos da Europa antes de 1933. E como nunca serão suficientes os libelos, que contrariem as indignas vozes de uns quantos negacionistas.
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