O cinema norte-americano anda a espelhar de maneira mais ou menos óbvia os problemas de uma sociedade à qual os traumas do 11 de Setembro e do insucesso bélico no Iraque anda a lesar na sua arrogante auto-estima, tanto mais que as notícias da sua saúde financeira só perspectivam uma decadência para a qual nunca se preparara.
Se os filmes dos irmãos Coen ou de Paul Thomas Anderson este ano consagrados nos Óscares, são ilustres representantes desta tendência, outros menos mediáticos não deixam de a reiterar.
«Bug», o filme de William Friedkin, rodado em 2006, não vale apenas pela notabilíssima interpretação dessa superlativa actriz, que é Ashley Judd, bem acolitada ademais pelo desempenho de Michael Shannon, mas também pelos eixos temáticos nele entrecruzados.
Numa descrição sumaríssima podemos resumir o filme ao encontro entre dois solitários num quarto de hotel, aonde se passa quase toda a trama.
Agnes vive o pesadelo de ter perdido o seu filho de seis anos, quando com ele fugia de um marido particularmente violento. Quanto a Peter cola-se-lhe à pele um síndroma de paranóia e esquizofrenia colhido nas suas comissões de serviço no Iraque, e que ele julga proveniente de experiências científicas com fins militares e aplicadas em cobaias humanas.
E é em torno dos desvarios destes personagens, que outras questões pertinentes se colocam: o que é a verdade e o que é a mentira? Até que ponto estamos dispostos a enganar-nos a nós próprios ao tornarmo-nos permeáveis a manipulações emotivas?
A incineração final corresponde a uma espécie de ritual de purificação. Mas para construir o quê sobre um cenário de terra queimada?
É uma resposta, que Friedkin não arrisca. E, por isso mesmo, o filme não abandona uma certa forma de ambiguidade, que quase se tornou na imagem de marca do realizador ao longo de toda a sua carreira.
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