domingo, janeiro 29, 2006

DESFRUTAR AINDA A LENTIDÃO DO TEMPO

Jean Échenoz é um dos escritores franceses mais interessantes de entre os que regularmente vão publicando os seus livros de testemunho deste tempo de mudança. Ora, mudanças é o que ele ainda só pressentiu nas margens do Mékong foi a possibilidade ainda desfrutar a lentidão do tempo nesse Laos, aonde o rio é crismado de «Mãe das Águas» e as mulheres protagonizam rituais nas margens, quando uma viagem por ele se prepara.
O elefante é o animal emblemático deste país. Está no escudo nacional, mas, principalmente se é branco, indicia prosperidade, boa sorte. Por isso é tão cobiçado, que quem um deles consegue capturar, encarrega-se de o esconder num refúgio seguro, aonde esteja a coberto de algum roubo.
Se existem mudanças, elas são particularmente notórias nos «spreed boats», ou seja lanchas a motor, extremamente velozes, que levam, meia dúzia de passageiros sem disponibilidade para apreciar o desfile de pessoas e paisagens ao ritmo dos barcos mais tradicionais.
O rio fertiliza os arrozais enche de peixe as redes. Por isso camponeses e pescadores vão alternando enquanto o barco, que transporta o narrador, prossegue a sua rota com um carregamento de que foi incumbido. Mas a alimentação não se limita ao arroz ou ao peixe. Tudo quanto se mexa é para comer, sejam ratos, macacos ou morcegos. Nalguns casos, referem-se as virtudes benfazejas de alguns órgãos mastigados no aumento da potência sexual.
À noite os barcos param na margem para prosseguirem caminho ao dealbar do dia. Às vezes a Lua eclipsa-se. Fazendo crescer a inquietação destas populações que temem vê-la tragada em definitivo pela Grande Noite.
Perto da antiga capital - Luang Prabang - os monges budistas recebem arroz nas suas malgas, distribuídas por mulheres apostadas em conquistar os bons auspícios dos seus deuses. São eles quem dá vida aos pagodes e aos templos, que rodeiam o antigo e esplendoroso palácio real.
Vencida essa etapa o rio torna-se demasiado turbulento com os seus rápidos, que se julga constituírem morada de caprichosos génios. Ou da garimpagem do leito do rio aonde as jovens camponesas procuram ouro com os seus coadouros. Mas as poucas gramas assim obtidas à custa de intenso labor, terão vindo do rio em si ou das embarcações que, todos os anos se afundam a montante? Uma pergunta que fica em aberto…
O rio é tão perigoso, que as famílias vêm anualmente a umas grutas a juzante de Luang Prabang para entregarem as suas oferendas aos sacerdotes. Que encenam os conhecidíssimos ciclos de reencarnação, procurando vir a habitar o corpo de um bicho bem menos sujeito a agressões ou de extermínio.
Hoje, à beira rio, as raparigas continuam a banhar-se , enquanto vão passando os barcos com mercadorias para a China ou para o Vietname. Muitas vezes pilotados por marido e mulher…
Quando os acidentes levam estas frágeis barcaças é comum a crença de que as mulheres afogadas transforma-se em pássaros, enquanto os homens adoptam a personalidade de um golfinho. Que, por este motivo, não são há muito incomodados...

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