segunda-feira, janeiro 18, 2021

(DIM) Che?, Roman Polanski, 1972

 


Foi uma espécie de OVNI libertário e libidinoso: saído da rodagem de Macbeth e antes de se empenhar no bem mais conhecido Chinatown, Roman Polanki rodou em Itália esta comédia erótica marcada pela cultura hippie e pelos acontecimentos de 1968. O realizador considerou-o um projeto falhado, e explica-se nessa assunção  as poucas vezes que voltou a estar disponível para reapreciação, embora Gérard Brach - o argumentista - sempre o tenha defendido, considerando-o obra ao mesmo nível das que partilhou com aquele.

Na origem esteve o convite de Carlo Ponti para a rodagem de um filme na sua casa de Amalfi, que proporcionava um cenário maravilhoso sobre o mar Tirreno. Juntaram-se vários atores, desde Marcelo Mastroianni a Hugh Griffith, passando pelo próprio Polanski e imaginou-se um contexto surrealista e criou-se um argumento que o consubstanciasse. Se não foi um work in progress à medida que iam passando os dias de rodagem é o que mais parece.

Nas cenas iniciais temos uma norte-americana, Nancy - interpretada por Sydne Rome - a apanhar a boleia de um grupo de biltres, que logo a querem violar. O entusiasmo é tanto que, na escuridão, perdem as referências e um deles acaba por quase sodomizar um dos cúmplices.

A rapariga consegue fugir para uma vivenda ali próxima e a imersão no ambiente aí vivido corresponde a uma espécie de viagem de Alice, não ao país das Maravilhas, mas ao dos pervertidos sexuais. Ali encontra gente extravagante, com muitos a só pensarem em sexo. Embora todos os hóspedes do anfitrião - o velho Noblart - também se encontrem amiúde à mesa.

Nancy escreve no diário tudo o que vê e vivencia, testemunhando perplexidades e inquietações. Há Alex, o sobrinho do anfitrião, com quem se encontra todas as manhãs, vendo-o repetir quase sempre o mesmo discurso, um padre com comportamento e discurso muito pouco canónico, um esforçado cozinheiro sempre apostado em novas experiências gastronómicas, melómanos rendidos à beleza dos sons do piano e tantos outros, que se vão cruzando com a rapariga, quase sempre desnudada, porque se vira sem a mala das suas roupas, quando escapara inicialmente aos agressores.

Se vamos olhando para o filme como produto de um período, que já ficou muito para trás, e o remeteram para a condição de objetos datados, não deixa de estar presente aquilo a que Polanski nos habituou: confrontar personagens com situações, que os deixam numa periclitante instabilidade. Sobretudo porque, neste caso, perdem as defesas mais racionais perante a acumulação de circunstâncias absurdas. Não admira que tenha ganho fama de ser o filme esquecido no meio da abundante filmografia do realizador. E acaba por ser a condição de se tratar da sua única comédia burlesca a justificar-nos a atenção. Embora o final acabe por ser recebido com algum alívio...


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