sexta-feira, outubro 25, 2019

Diário de Leituras: Manuel Alegre na Escritaria em Penafiel até domingo


A Escritaria em Penafiel está a homenagear Manuel Alegre com um vasto programa, que se prolongará até domingo incitando-nos à revisita da sua obra.
Um dos títulos mais recentes, publicado quando, em 2016, outros afazeres me distraiam a atenção, é «Uma Outra Memória», coletânea de muitos textos, uns inéditos, outros não, que reportam alguns fragmentos de uma vida recheada de ricas experiências, infelizmente difíceis de estruturar dado o autor nunca ter sentido a pulsão de os ir registando metodicamente em forma de diário. Mas seria assim tão importante uma autobiografia cronologicamente respeitadora da sucessão de acontecimentos, quando nela avulta a assumpção de uma vida usufruída tanto quanto possível de forma poética?
Da infância retém a grata memória de um progenitor, que lhe lia versos de Camões em voz alta. Dele ter-lhe-á ficado a convicção da poesia ganhar sentido ao ser dita e partilhada. O que o fez com grandes amigos, também poetas, de quem destaca Herberto Helder e Sophia de Mello Breyner. Todos decerto subscritores do que Octavio Paz dizia a seu respeito: é, ao mesmo tempo, conhecimento, salvação, poder e abandono.
Imprescindível, igualmente, a sua interligação com a língua, porque assenta na força mágica da palavra. Mas também com a História, porque tendo Alegre uma visão poética da que conheceu Portugal ao longo da sua existência, produziu obra definida por Eduardo Lourenço como possuidora da nostalgia da epopeia. Acrescentaríamos nós a das impossíveis utopias. Por isso nela incorpora lendas, trovas, poemas, batalhas e revoluções. Porque repugna-lhe o maniqueísmo e a vê quer na perspetiva solar, quer na das quantas vezes dolorosas sombras.
O maior amargo de boca, que confessa trazer é a da injustiça cometida a respeito dos assassinos de Humberto Delgado: viu-os em tribunal, sabia-os autores e mandantes do crime e, no entanto, a situação política da época poupou-os ao justo castigo.
As circunstâncias de cada período tem-nas bem conscientes e por isso admite não haver tão grato espaço para a poesia atual, quanto o ocupado no tempo salazarento. Muito embora continue pertinente essa atitude de olhar à volta e detetar essa forma alternativa de tudo sentir.

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