terça-feira, outubro 22, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «Gutenberg, a aventura da imprensa»


Se há realizador em quem se pode confiar, quando se anuncia um dos seus documentários, é Marc Jampolski, cuja filmografia já acompanhamos há quase duas décadas. Mesmo quando se teme pela aridez de um tema de interesse muito relativo, eis-nos presos a uma história bem trabalhada a nível do argumento e concretizada com igual talento.
Gutenberg era o tipo de personagem de que parecia bastar o conhecimento de ter sido o inventor da imprensa. Até porque não se sabe quando nasceu ou morreu, nenhum artista deixou um quadro ou um desenho, que nos possibilitasse uma ideia da sua fisionomia e, na realidade, nem se pode dizer ter sido ele quem concebeu a tipografia porque, já no século IX, os chineses utilizavam técnica muito semelhante.
Sabe-se que nasceu no arcebispado de Mogúncia no dealbar do século XV, pertencendo a família à elite burguesa da cidade, que lhe terá proporcionado esmerada educação numa escola monástica.
Em 1429 aconteceu nesse pequeno território uma das muitas revoluções populares lançadas pelas corporações de artesãos no Sacro-Império, que empurraram para o exílio essa grande burguesia, de que o jovem Johannes era membro influente.
Existe evidência documental dele em 1434 quando fez prender um alto responsável da sua cidade natal de visita a Estrasburgo, exigindo-lhe as rendas devidas pelos bens deixados para trás durante a apressada fuga ao caos.  O recurso à lei resultou porque, nos dois anos seguintes,  recebeu das autoridades de Mogúncia as verbas reivindicadas.
Outro caso judicial que o envolveu aconteceu pouco depois, quando convenceu três sócios a investirem numa espécie de merchandising para os peregrinos que, de sete em sete anos, cumpriam a expiação numa longa caminhada até Aix-la-Chapelle. O sentido de oportunidade para negócios potencialmente lucrativos era característica óbvia do seu carácter muito embora não ponderasse nos imprevistos. Ora, estes surgiram na forma de uma epidemia de peste, que desencorajou os clientes a encetarem a viagem, comprando-lhes os espelhos em causa.
Sentindo-se ludibriados os associados quiseram ser ressarcidos do investimento fracassado, mas logo Gutenberg foi persuasivo o suficiente para os levar a aplicar ainda mais dinheiro noutro invento em que estava empenhado: a imprensa. A morte de um deles leva-o ao tribunal, porque os irmãos do defunto pretendem a devolução da quantia aplicada mas, uma vez mais, a capacidade argumentativa do réu convence o juiz a dar-lhe razão. No entanto, não sentindo o ambiente à sua volta muito assertivo, decide abandonar Estrasburgo e voltar a Mogúncia, onde procura novos investidores para levar por diante o seu invento. Ora, nessa época, um monge talentoso levava pelo menos três anos a copiar uma Bíblia, que era artigo raro, dispendioso e só acessível aos mais ricos. Ao mesmo tempo o avanço dos otomanos até às portas de Veneza tornava urgente uma difusão acelerada da doutrina cristã contida no seu livro de referência.
Ao desenvolver a imprensa levou a técnica à Feira de Frankfurt em 1454 conseguindo o interesse de um cardeal italiano que, pouco depois, seria investido com as insígnias papais sob o nome de Pio II. Para corresponder ao interesse de tal cliente, logo imitado por outros, Gutenberg esmerou-se na edição de sucessivas cópias, mas depressa compreendeu que as receitas das vendas não compensavam os custos envolvidos. A falência ficou à vista até por ter concorrência num antigo colaborador, associado ao banqueiro com quem contraíra dívida no início da nova permanência em Mogúncia.
Deixando a produção de Bíblias, continuou a imprimir outras obras mais baratas e facilmente comercializáveis deixando-se de ter notícias suas a partir de 1461. Mas o nome ficou conotado com uma inovação determinante na história da Humanidade, por possibilitar uma mais ampla difusão do conhecimento.
Para credibilizar o projeto, Jampolsky recorreu a atores para representarem algumas cenas ilustrativas da ambiência em torno do inventor. E alternou essas recriações históricas com os testemunhos de diversos especialistas, que nos facultam interessante aula de História europeia no auge do Renascimento.

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