terça-feira, novembro 03, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: A nostalgia por um tempo que vivi

Desde domingo que ouvi fartos elogios à personalidade e à obra de José Fonseca e Costa, pelo que só faz sentido evoca-lo se optar por um testemunho pessoal sobre a sua importância na definição de quem me tornei. E por isso, em vez de celebrar o «Kilas» ou «A Balada da Praia dos Cães», aproveito para recordar duas das suas primeiras obras: «O Recado» e «Os Demónios de Alcácer-Quibir».
Vi ambos os filmes, quando ainda nem vinte anos tinha e quase todo a disponibilidade em tempo e orçamento serviam para me meter nas salas de cinema.
A descoberta de «O Recado» aconteceu em 1972, quando a questão, que já se me punha, era se tentava a admissão à Escola Náutica ou se me apressava a escapar para o exílio antes da chamada para o alistamento nas guerras de África. Por isso não foi difícil compreender que os sabujos do filme, os que capturavam e torturavam o jovem subversivo na paisagem agreste do Cabo Espichel, eram agentes da Pide. A surpresa resultava de me questionar como é que a censura - novamente com a tesoura afiada depois da breve «Primavera marcelista»- deixara passar uma tão óbvia demonstração do carácter ditatorial do regime.
Ademais algumas das cenas eram passadas na Caparica onde então morava, o que contribuía para adensar a veracidade do conteúdo político da história.
Desde então e sempre que regresso à paisagem onde vira José Viana mostrar um tão grande desalento, nunca me falha evocar o filme do Fonseca e Costa e um dos rostos marcantes do cinema português de então: o de Maria Cabral.
Em 1976, quando estava prestes a chegar à idade que levara Nizan a manifestar a sua intolerância para quem a considerava a dos melhores anos da sua vida - e eu sempre estaria em desacordo com essa opinião do escritor francês! - vi «Os Demónios de Alcácer-Quibir» essa deambulação de um grupo de irreverentes pela paisagem revolta do Alentejo, com as canções do Sérgio Godinho a ilustrá-la. E vivi, então, um momento de jubilação na sala de cinema, porque, eu próprio, ansiava por luminosos amanhãs, que cantassem.
É verdade que acabavam mal os filmes de então, quando exploravam essas tentativas de virar a sociedade do avesso - era impressionante o final de «Terra Prometida» do Miguel Littin, que também vi por essa altura! - mas sobressaia sempre o otimismo de quem, com tanto sangue na guelra, acreditava que ça ira, ça ira…
O desaparecimento de José Fonseca e Costa devolve-me, pois, a nostalgia de um tempo em que julguei possível chegar à minha idade, quarenta anos depois, e encontrar-me numa sociedade bem mais justa e igualitária do que esta em que vivemos... 


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