domingo, dezembro 24, 2006

LUANDINO VIEIRA: O REGRESSO AOS LIVROS

Acabei de ler uma interessante entrevista com o escritor angolano Luandino Vieira no suplemento «Mil Folhas» do «Público», a pretexto do lançamento do seu mais recente título: «O Livro dos Rios». Que é o primeiro de uma trilogia intitulada «De Rios Velhos e Guerrilheiros».
O tema é, segundo o autor, o da «relação entre o homem angolano com a natureza angolana, no contexto da luta de libertação nacional». Para tal recorre a um grupo de guerrilheiros, que se deslocam em direcção a alguém da frente interna, que lhes traz medicamentos.
Voltando ao autor: «Estava com a ideia de escrever sobre árvores, peixes, pássaros, céu, água, rio, e não percebia bem como é que o homem havia de estar no meio disso.» A solução passa por, dentro desse grupo de guerrilheiros, inserir um sonhador atento à novidade da paisagem, já que viera da costa aonde só conhecia as areias da praia.
O livro vem confirmar quão exageradas tinham sido as notícias sobre a «morte criativa» de um escritor celebrado pelo seu «Luuanda» - que, em 1965, suscitou a acção terrorista da PIDE à sede da Sociedade Portuguesa de Autores - mas perdido durante anos nas tarefas políticas a ele confiadas após a independência, e depois, no seu voluntário exílio de treze anos nas terras minhotas.
Ainda assim ele diz que nunca parou de escrever apesar de não publicar nenhum livro novo desde 1972.
Agora, aos 71 anos, vive austeramente na casa do porteiro do Convento de Sampaio, em Vila Nova de Cerveira, tendo por anfitrião o escultor José Rodrigues.
Na sapiência conferida pela idade, ele diz: «Eu gosto muito de viver. Se estiver sol já não escrevo, saio para a rua. Se está a chover também visto o impermeável e vou andando. Só em último caso, quando já não posso fazer mais nada» é que escreve.
Bens tem muito poucos. Cabem todos numa mochila. «Se compro uma camisa, tenho de deitar outra fora».
Mas a solidão não é propriamente um estado natural em si: «Sempre tive que me virar sozinho. Acabei por ficar mais solitário do que gosto de ser… Não percebe pela conversa que não gosto de ser solitário? Acabo por conversar muito, mas depois retraio-me, meto-me na minha concha».
Ao contrário do que quem o entrevista pretende, Luandino Vieira não está desiludido com o rumo dos acontecimentos no seu país: «Se tivéssemos a capacidade de só nos construirmos, mas, eu, pelo menos, não tinha percebido que isso só se faz com os outros todos, e os outros todos não eram só os meus colegas… Eram os americanos, eram os russos, eram os sul-africanos». Acaba, assim, por reconhecer a evidência de não se sentir desiludido, porque nunca alimentara ilusões.
«Um regime é uma coisa perfeitamente transitória. Os homens desenvolvem formas de se auto-governarem conforme as necessidades. São sempre circunstancialismos que determinam isso. Hoje o mundo tem esse modelo, a democracia. E viu-se por exemplo o que deu tentarem impor a democracia no Iraque.»

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