terça-feira, maio 06, 2025

Os meus «Verdes Anos»

 

Há muita coisa que posso escrever sobre o filme que o Paulo Rocha realizou em 1963: é um marco fundamental do cinema novo português e explicita a transição social e cultural de Portugal nessa época. Que, moderno e lírico, entrava em rutura com o cinema feito até então embora Manuel de Oliveira já tivesse assinado  uma dezena de títulos, incluindo Aniki-bobó. Que influenciava-o o neorrealismo italiano e a nouvelle vague francesa, e era o primeiro título devido ao nunca por demais elogiado grupo do Vá-vá. Ou ainda sobre a frustração, o desespero e a falta de expetativas de uma juventude, que via a cidade a crescer ao ritmo de uma arquitetura longe de ser exemplar.

Mas, vendo-o na adolescência, já na década seguinte, quando o regime ia dando sinais do seu estertor, o filme foi peça fundamental na consciencialização de uma realidade para cuja transformação também ansiava por dar o meu contributo. Ao som da música do Carlos Paredes, mas com a Internacional a emergir como crescente banda sonora! 

domingo, maio 04, 2025

George Enescu, nome maior da cultura romena

 

Não é daqueles compositores que me tenha chamado particular atenção no passado embora lhe ouvisse algumas peças orquestrais em concertos em que não eram as mais atrativas do programa. E, em todas essas ocasiões, fiquei agradado com obras, que me colocavam perante a tentação de conhecer mais sobre a sua biografia e tudo quanto compusera. Mesmo que, cinema e esculturas de Brancusi à parte, nunca tenha sentido particular interesse pela cultura romena. Mesmo a Transilvânia, só pela escrita de um escocês (Bram Stoker) me interessou.

A pretexto de passarem setenta anos sobre a morte de George Enescu, um dos nomes eminentes das lápides do Père Lachaise, vale a pena enunciar algumas linhas sobre a sua carreira de compositor, violinista, pianista, maestro e professor. Yehudi Menuhin foi um dos seus muitos alunos e nunca deixou de referi-lo como determinante na sua formação: "Providência... uma inspiração que o elevou da terra", reconheceu no seu diário.

Nasceu em Liveni, no norte da Roménia, e distinguiu-se como jovem prodígio: aos 4 anos já tocava violino e logo pôs-se a compor as primeiras peças.

Foi aos 19 anos, que criou a Rapsódia Romena No. 1 em Lá Maior, Op. 11 e nela sobressaem a celebração do folclore romeno de inspiração cigana, as melodias a alternarem entre as melancólicas e as dançantes e a ampla utilização de todos os naipes da orquestra para criar complexas combinações instrumentais. Por isso é, de entre as suas muitas obras, a mais interpretada pelas orquestras de todo o mundo. 

 

sábado, maio 03, 2025

A política estava-lhe nos genes

 

Não aprecio o lado coscuvilheiro das biografias assinadas por Joaquim Vieira, nem tão pouco o posicionamento político, que foi o da transição da extrema-esquerda logo após os 25 de abril, para uma direita mais ou menos envergonhada, mas quase sempre antissocialista (vide as cobras e lagartos que evocou contra a “Geringonça”).

No entanto, porque um esforço traduzido em mais de mil páginas a propósito de Mário Soares merece alguma atenção dissociando o que os preconceitos ideológicos lhe possam suscitar, vale a pena nele encontrar um biografado intrinsecamente ligado à política desde muito cedo e nunca olhando para a realidade, e para o seu percurso profissional, de outra forma que não fosse a ditada por tal vocação.

Há também a explicação curiosa para o seu divórcio com o Partido Comunista de que foi militante até ao dealbar da década de 50: não tanto pelo que se ia diabolizando a respeito do estalinismo, mas pela incompatibilidade com a austeridade moral pugnada pelos camaradas, que não empatizavam com o hedonismo de que ele dava sobejas provas.

Que depois tenha apreciado o livro de Arthur Koestler como caução para esse distanciamento até lhe terá dado jeito, embora nunca se tenha furtado a ser o advogado de defesa de muitos presos comunistas, que a ele continuaram a recorrer como o mais indicado para enfrentar os juízes do Tribunal da “Boa” Hora.