É dia de lembrar o aniversário de Edvard Grieg, não apenas uma data no calendário musical, mas sobretudo pretexto para um dos momentos mágicos partilhados com a Elza neste meio século de cumplicidade amorosa.
Era a noite da nossa chegada a Bergen. No "Funchal", estava obrigado a sucessivas idas e vindas da casa das máquinas para garantir as manobras do navio nas zonas mais estreitas do fiorde. Entre uma e outra, regressava ao camarote, onde a Elza me esperava. Sentávamo-nos à secretária encostada às vigias, observando a margem desfilar naquela luz peculiar que os franceses tão bem descrevem como "entre cão e lobo" – um crepúsculo que nunca se transformava verdadeiramente em escuridão total.
A filha, com meia dúzia de anos, dormia profundamente na cama, alheia à beleza envolvente. Nós, de mãos dadas, falávamos baixinho, quase sussurrando, para não perturbar o sono da nossa menina. E, nesse silêncio cúmplice, pusemos o "Amanhecer" da suite "Peer Gynt" de Grieg. A melodia preencheu o pequeno espaço, misturando-se com a paisagem nórdica que se desenrolava lá fora.
Se a Ilsa Lund e o Rick Blaine teriam sempre Paris, nós teremos sempre os fiordes noruegueses e aquela melodia, momento dos mais belos que vivemos.
Oxalá que lá nesse outro lado onde a Elza se ausenta, permaneçam esses momentos. Que a memória daquela noite e a música de Grieg possam atenuar, mesmo que por instantes, os constrangimentos da terrível doença que ela não merecia sofrer. Que esses fragmentos de felicidade e amor continuem a brilhar, onde quer que esteja.