terça-feira, abril 02, 2019

(DIM) De como começando em vampiros e continuando em conspiradores, chegamos ao cerne da atualidade


Quase sempre encontro maior prazer em filmes de tempos idos do que nos do presente, muito embora se continue a fazer bom cinema, ainda que distribuído em circuitos de exibição cada vez mais limitados. Por norma o cinema atual questiona-nos sobre quem somos e para onde vamos, enquanto o do passado lembra-nos quem fomos e como chegámos até aqui. E como diz a velha regra, se não quisermos repetir os erros do passado convirá que os tenhamos sempre no pensamento quando agimos no quotidiano.
O que poderemos reter de «Drácula», o filme que Tod Browning rodou em 1031 e fez de Bela Lugosi o canónico intérprete do sinistro conde? Decerto a presença impressiva do ator, com uma voz incisiva, capaz de seduzir e manipular as suas vítimas. Mas, sobretudo, o significado metafórico do Vampiro, tal qual Zeca Afonso o demonstrou num dos seus mais conhecidos temas.
Se olharmos para Drácula como paradigma do capitalista voraz, que vive do sangue chupado às suas vítimas - os explorados nas suas mais-valias pelos patrões, que ademais os querem convencer da bondade dos seus propósitos! - encontramos lá tudo. Os contaminados com os propósitos da criatura e que aprendem nas escolas superiores de Economia e Finanças como preservarem o estado das coisas, quase enlouquecendo, qual Renfield, quando se apercebem dos riscos de serem deixados para trás na concupiscência exploradora. Ou o papel reservado às mulheres, ora utilizadas como vítimas impotentes do fascínio do mal (consumista), ora como obsequiosas servas desse lado sombrio da organização social.
Não estando propriamente na moda a defesa do derrube violento do sistema capitalista pela redentora revolução das massas exploradas e organizadas, a solução empreendida por Van Helsing - a estaca cravada no coração da besta! - está conforme com a lógica ideológica desses inícios dos anos trinta, quando à violência fascista só se antevia como exequível a que a fizesse definhar à luz sublime dos amanhãs que cantam.
Alguém poderá contestar a perspetiva progressista do mito do vampiro?
Sobre «The Parallax View», filme assinado por Alan Pakula em 1974, mas só estreado em Portugal dois anos depois, é a teoria da conspiração, que está em evidência. A América ainda tinha bem presente os assassinatos dos Kennedys ou de Martin Luther King e a argúcia coletiva não se compadecia com a ideia ingénua de homicidas isolados, dispostos a libertarem as terras do Tio Sam de quem lhes suscitava intenso ódio.
Por muito que desagrade aos que nos querem desviar do óbvio, quando um grupo de ricos empresários funda e financia o «Observador» só coloca à luz do dia o tipo de manigâncias, que os agita nos bastidores. Aí arregimentam para os seus intentos os juízes e procuradores de uma Justiça cada vez mais enviesada, os diretores dos jornais e das televisões, que são seus empregados e subservientes lacaios, os polícias e alguns sindicalistas, seus instrumentos de pressão nas alturas mais convenientes, sobretudo quando se aproximam as eleições, esse logro democrático em que os cidadãos são convidados a, regularmente, convencerem-se de que serão das suas escolhas, que o futuro lhes condicionará o almejado direito à felicidade.
Representante de uma geração de cineastas que, nos anos 70, procurava utilizar a indústria cinematográfica para elucidar os espectadores dos verdadeiros mecanismos do uso e abuso do poder político, Pakula põe neste filme um ainda jovem Warren Beatty a protagonizar o papel de um jornalista, que investiga a morte de um senador e de quem servira de testemunha ao crime, dele podendo vir a dar uma versão não consonante com a que a comissão parlamentar rapidamente concluiu como insofismável.
O que está em causa neste filme é a falta de escrúpulos dos detentores do poder político, que não hesitam em recorrer aos meios mais extremos para assegurarem a continuidade do seu estatuto.
Desafiemos a nossa memória para lembrar títulos recentes, que se revelem tão contundentes na abordagem das desigualdades em que vamos sobrevivendo? Não é fácil encontrar a resposta, embora fique a sugestão para o que, amanhã, é exibido no Forum Romeu Correia em Almada: «Em Guerra» de Stéphane Brizé é uma espécie de esforço quixotesco para perdurar nas artes cinematográficas essa ânsia por um mundo novo a sério...


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