quarta-feira, novembro 14, 2007

Dois Escritores em Lados Opostos da História


Em 1960, quando os mais complacentes estavam dispostos a jurar pela sua genialidade, apesar das infâmias, que havia escrito sobre os judeus na época do seu inequívoco alinhamento com o nazismo, Céline publicou «Norte».
Não é livro, em que alguma vez arrisque a leitura - há coisas, que me dão vómitos e ler um nazi, mesmo que elogiado por um Baptista Bastos, não é petisco convidativo - mas não vem mal ao mundo por saber o que nele se versa.
Um articulista do «Nouvel Observateur» conta que se trata de um romance alucinado e autobiográfico sobre a queda do III Reich no Verão de 1944.
O Norte do título é a da direcção da fuga para escapar à morte certa, que já está a ser preparada para outros notórios nazis (Brasillach, por exemplo). No caso de Céline é a Dinamarca para onde pretende ir viver com a esposa, Lili, e com o gato Bébert, levando ainda como pendura um actor (Le Vigan).
É uma viagem em três etapas desde Baden Baden até ao decadente Brenner’s Park Hotel, aonde se bebe champanhe e come caviar no meio dos bombardeamentos aliados, passando pela esventrada Berlim, antes da chegada à fronteira prometida com a sensação de se enfrentar uma espécie de apocalipse para o qual só se pode assumir o medo, quando não mesmo a loucura.
Pode-se imaginar no texto o que os assassinos e os seus cúmplices terão sentido, quando o Exército Vermelho de um lado e os contingentes britânicos e norte-americanos do outro apertavam o efémero Império dos Mil Anos por todos os lados. E de como os poderosos de ontem se tornam medrosos trânsfugas.
Outro escritor, Patrick Cauvin, publicou há alguns meses o seu romance «Venge-moi!» passado na mesma época, mas na trincheira contrária: um miúdo fica sozinho na grande cidade, porque os pais foram deportados para um campo de concentração. Se o progenitor já nunca mais aparecerá, a mãe ainda regressa para lhe manifestar as suas suspeitas quanto à identidade de quem os terá denunciado. É a pedir-lhe vingança, que ela se despede ao deixá-lo órfão…
O que Cauvin conta é o trauma, a obsessão da ausência paterna, o medo da delação dos vizinhos e dos parentes. E os oprimidos, mesmo na vitória, nunca chegarão a gozar o prazer de se sentirem vencedores, já que sobram feridas impossíveis de cicatrizar...

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