segunda-feira, julho 24, 2006

UMA CARTA PARA O «PÚBLICO» NÃO INSERIR NAS SUAS PÁGINAS

Serão as ideias de Miguel Portas coincidentes com as do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad?
Com uma falta de elegância, que se deve assinalar, sobretudo por se tratar de quem, enquanto director do jornal, tem responsabilidades acrescidas no respeito por uma deontologia de carácter, o senhor José Manuel Fernandes não contrariou fundamentadamente nenhuma das teses do conhecido historiador e político.
Embora não me identifique com muitas dessas teses, o que dele li no artigo sobre a actual situação no Médio Oriente tinha as características de seriedade expectável em quem possui uma formação académica significativa naquela matéria. E contribuiu para complementar o painel de opiniões, que sobre ela vêm sendo publicadas.
O que parece irritar o director do «Público» ao ponto de avançar pelo insulto soez é a contínua demonstração do erro em que insiste lavrar. Para ele e outros antigos militantes da extrema-esquerda, quando muito jovens, a maturidade atirou-os para um reposicionamento ideológico claramente oposto. Um fenómeno, que deveria merecer uma tese de doutoramento, para que pudéssemos entender o que, psicologicamente, socialmente e politicamente, possa justificar tão estranha mutação.
Mas, tal como nesse passado distante, o director do «Público», mas também a Helena Matos, o João Carlos Espada e outros paladinos das teses dos neo-conservadores norte-americanos, assumem idêntico convencimento da bondade das suas ideias presentes. Como se o mundo se continuassem a dividir entre bons e maus, só variando com os anos quem são uns e outros.
No caso da guerra no Líbano, estes comentadores não conseguem explicar como é que um país democrático, com um Governo reconhecido internacionalmente, se vê agredido pelo vizinho do Sul mediante um álibi - o dos soldados tomados como reféns - que recorda os argumentos de Hitler para invadir a Polónia ou a Checoslováquia no início da 2ª Guerra Mundial.
Mas, mesmo reconhecendo o direito de Israel para salvaguardar a vida dos seus três soldados raptados pelo Hamas e pelo Hezbollah, que legitimidade tem o governo de Olmert para, em contraponto, tirar a vida a centenas de libaneses, muitos deles mulheres e crianças, que apenas desejavam viver pacificamente no seu País há tão pouco tempo saído de uma nefasta guerra civil?
E, vindo um pouco mais atrás, e partindo do princípio que os valores democráticos são para respeitar, o que torna menos legítimo o Governo eleito do Hamas do que saiu do Knesset? Não foram ambos designados a partir de processos eleitorais considerados como irrepreensíveis pela comunidade internacional?
E, olhando para outras latitudes, poder-se-á dizer que a vida das populações iraquianas e afegãs melhorou alguma coisa com o contínuo intervencionismo norte-americano?
E encontrarão esses comentadores alguma justificação para o escândalo de Guantanamo, que nem o Supremo Tribunal norte-americano conseguiu legitimar?
Compreende-se a falta de discernimento de José Manuel Fernandes. Mas, francamente, será que o insulto será doravante a única arma argumentativa, que lhe resta’

domingo, julho 23, 2006

«A DUPLA» de RAOUL RUIZ

Tem oito anos, foi rodado no Canadá e reflecte alguns dos temas mais do agrado do chileno, que o realizou. Em «A Dupla», Anne Parillaud é, em simultâneo, duas pessoas diametralmente opostas, mas com o mesmo nome: Jessie Ford.
Uma delas é uma assassina profissional contratada para eliminar por contrato, quem os seus clientes lhe indicam.
Outra é uma mulher jovem muito vulnerável, acabada de sair de uma cura psiquiátrica subsequente a uma agressão sexual e agora recém-casada com um jovem, que a leva de lua-de-mel para a Jamaica.
A questão amiúde colocada ao longo do filme é óbvia: quem é a verdadeira Jessie? A assassina ou a noiva? E o que é a outra? Uma sua réplica onírica ou um clone?
A verdade é que, na Jamaica, ela continua a sentir-se ameaçada: o seu violador não a terá seguido até ali para continuar a agredi-la ? E porque é que a bela Paula Quinn, encontrada no hotel, parece tão íntima do seu Brian?
Para encontrar alguma resposta ela vai consultar-se com uma suposta vidente, que tudo sabe: Isabel. Que, através de um chá, lhe propicia sonhos em que se vê atropelada perante a impassibilidade de quem testemunha essa cena.
Por seu lado, Brian começa a revelar um interesse óbvio pela herança por ela recebida do seu defunto pai. Que desejaria investir em negócios rentáveis para os quais lhe não faltariam ideias…
Jessie começa a inquietar-se com sucessivas situações de perigo em que se vê, enquanto está com o marido: uma queda por uma falésia ou um afogamento no mar evitados no último instante.
Igualmente a sua vertente de assassina começa a encarar Brian como um alvo potencial: é a ele que uma tal Laura pretende ver morto, contratando para tal os serviços dela. Ora, em última instância é ela quem acaba de descobrir em Brian a verdadeira identidade do violador de Nova Iorque.
Mas a Jessie mais vulnerável não quer acreditar e insurge-se contra a sua dupla. Erradamente, claro, já que Brian e a sua amante Paula preparam-lhe o «suicídio com barbitúricos» por forma a ficarem com o campo aberto para os seus projectos de felicidade a dois.
Esse desiderato é evitado in extremis, acabando Jessie por acordar numa clínica em Seattle ao fim de vários meses. Mas, agora elucidada, quanto à personalidade de Brian procura-o em Nova Iorque aonde ele estava em jantar romântico com Paula. E atraindo-o à casa de banho é aí que o elimina ...

quinta-feira, julho 20, 2006

UMA GUERRA NO MÉDIO ORIENTE

A situação agudizada na guerra do Médio Oriente, confronta-me com algumas contradições difíceis de dissipar: por um lado reconheço as razões dos palestinianos e dos libaneses perante uma violação tão flagrante das leis internacionais, tanto mais que acompanhada de uma anti-democrática falta de reconhecimento da vitória do Hamas nas eleições recentemente ocorridas.
Mas, é também verdade a identificação mais fácil dos nossos valores com os israelitas do que com os muçulmanos. Bastará o tratamento dado pelos regimes islâmicos às mulheres para se justificar uma opção civilizacional.Porque, mesmo não o sendo inicialmente, o conflito israelo–palestiniano acaba por representar o tal choque de civilizações de que falava Huntington. E comporta os riscos de ver prejudicado o nosso bem-estar ao levar os preços de petróleo para uma espiral descontrolada.
E se ainda agora aparecem os indícios de uma recuperação económica, há sempre o risco de os ver evaporarem-se nesta depressão colectiva.
Sem não termos contribuído em nada para tal peditório, podemos sofrer na pele os efeitos nefastos de dois mandatos de George W. Bush na Casa Branca. É que se eles bastaram para desmistificar as ideias absurdas dos neo-conservadores, para quem a supremacia imperialista da América passava pela exportação de uns ideais de democracia, nada de bom acarretaram para o nosso bem-estar ou para a criação de uma confortável sensação de confiança perante o futuro.
Por tudo isso, mesmo neste cantinho à beira-mar plantado, existe uma ansiosa expectativa pela emergência de uma paz para todos honrosa ...

segunda-feira, julho 10, 2006

BECKETT POR DESCOBRIR?

Será uma falha minha, mas nunca me senti atraído pela dramaturgia de Samuel Beckett. Porque o associo a poucos actores em cena e a muitas palavras disparadas de forma quase meteórica. Apesar de sobrar grande importância para as pausas, para os silêncios.
É, porventura, uma questão de maturidade. Como sucedeu com a música clássica, ainda há uns anos ouvida com frequência, mas sem paixão e, hoje, à beira do meio século de vida me leva a militante devoção.
Porque os temas de Beckett só agora começam a preocupar-me a sério: as angústias, as inseguranças, as frustrações de quem teceu ideais de felicidade, que se realizaram em grande parte mas não na sua mais utópica totalidade. Havendo um fim irremediável a ameaçar tolher as oportunidades remanescentes para conseguir esse tal pleno.
Talvez daqui a não muito tempo eu confesse aqui o emergente fascínio pela obra mais filosófica, que meramente teatral do dramaturgo irlandês…