terça-feira, dezembro 31, 2019

Diário das Imagens em Movimento: Piccoli, mais do que extravagante um enorme Ator


O extravagante senhor Piccoli. Foi assim que Yves Jeuland intitulou o documentário de 2016 com que quis homenagear um ator, hoje com 94 anos, tido como o derradeiro sobrevivente de uma geração onde incluímos outros grandes nomes como Marcello Mastroianni, Philippe Noiret ou Ugo Tognazzi, seus cúmplices no inesquecível «A Grande Farra» por ele coproduzido em 1973.
Quando o cinema lhe deu merecido destaque ao assumir o papel pensado por Godard para Frank Sinatra  em «O Desprezo» (1963) ele já era conhecido dos palcos de teatro e das séries televisivas.  Um dos seus maiores êxitos desses anos até terá sido num telefilme de 1965 quando personificou uma versão moderna do Don Juan de Molière sob a direção de Marcel Bluwal.
Por essa altura ainda assumia a preferência pela interpretação quotidiana de peças de teatro perante plateias de espectadores, mas os realizadores solicitavam-lhe as prestações com crescente assédio. Sobretudo os da nouvelle vague, que o sabiam disposto a impressionar, mais do que a agradar a quem o visse a compor desempenhos isentos de qualquer banalidade.
Provocadores como Buñuel também o intuíam e por isso vimo-lo a desmascarar com frio cinismo a «Belle de Jour», que era Catherine Deneuve. Ou a contar com ele noutros filmes capazes de arrepelarem os cabelos aos católicos («A Via Láctea») ou aos burgueses («O Discreto Charme da Burguesia»  e «O Fantasma da Liberdade»).
Marco Ferreri foi outro dos anarquistas que recorreram aos seus préstimos. Além dessa acima citada metáfora do capitalismo através de quatro amigos, que se encontram para comerem desmesuradamente até à morte, também o colonialismo e a exploração dos emigrantes dos bidonvilles se viram abordados através do filme rodado no vasto espaço onde acabava de ser demolido o mercado das Halles. Tratava-se de «Não Toques na Mulher Branca» e além de vermos Piccoli no papel de Buffalo Bill, também por lá andavam Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve.
Por essa altura Piccoli não enjeitava papéis mais convencionais, alguns dos quais de inequívoco sucesso, sobretudo quando eram realizados por Claude Sautet  e tinham  Romy Scneider a com ele contracenar: «As Coisas da Vida», «Max et les ferrailleurs» ou «Mado».
Nessa década de 70 rodava em média cinco filmes por ano, alguns deles não auferindo ordenado, porque apostava em tornar exequíveis os projetos de jovens realizadores sem vintém. Então, e desde sempre, o seu posicionamento à esquerda não deixava dúvidas, ou não fosse amigo de Mitterrand e participante ativo nas manifestações e comícios em prol das causas, que entendia justas.
A maturidade proporcionou-lhe menos desempenhos cinematográficos (mas ainda foi protagonista num filme de Manoel de Oliveira!), e permitiu-lhe o regresso triunfal ao teatro.
No fim de contas, mais do que extravagante, Piccoli terá sido um Ator com enorme maiúscula.

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