quarta-feira, maio 08, 2019

(DL) Revisitar o passado sempre servirá para alguma coisa


Voltar atrás para quê?, perguntava-se Irene Lisboa, sem aparentemente exigir que lhe dessem resposta. Dois escritores franceses acabam de desmenti-la ao tomarem como tema dos seus livros, acabados de editar, as vicissitudes por que terão passado em distantes passados.
Chantal Thomas revive os anos 70 quando, tão-só concluída com sucesso a tese sobre Sade, em que contara com Roland Barthes como orientador, partira para Nova Iorque a vivera a ambiência de liberdade, aí omnipresente. Estava-se na ressaca das revoluções da década anterior, quando os hippies e os black panthers haviam prometido virar o mundo do avesso, e a contracultura encontrava abrigos seguros na Fábrica de Andy Warhol ou no Chelsea Hotel.
Agora, muitos anos depois, retoma as mesmas deambulações de outrora, isentando-se, tanto quanto possível, dos sentimentos de nostalgia. Mas volta a recorrer aos poetas - de Ginsberg a André Breton passando por Baudelaire e muitos outros - para reconstruir uma geografia intimista e literária.
Por seu lado Ivan Jablonka devolve-nos aos anos 80 quando passou a ter os verões preenchidos com os passeios familiares em autocaravanas por toda a costa mediterrânica. Portugal foi visitado pela tribo constituída pela família do escritor e de outros amigos dos pais no ano de 1983, ficando-lhe as reminiscências das vinhas no Douro ou das juntas de bois a puxarem as redes na praia da Nazaré. Mas, entre os 6 e os 16 anos, conheceu a Espanha e a Grécia,  Marrocos e a Itália.
O historiador deriva, no entanto, para a tragédia familiar. O pai nascera em 1940 e, três anos depois, ficara entregue a si mesmo, porque a Gestapo incumbiu-se de deportar-lhe os progenitores para Auschwitz, donde nunca regressariam. Explica-se, assim, que Jablonka seja autor de outro livro de memórias, focalizado nesses avós, que nunca chegou a conhecer. O problema maior foi, sobretudo, o do relacionamento com esse pai, que nunca se libertaria do complexo de culpa de ter sobrevivido e, por isso mesmo, exigia aos filhos a capacidade de serem felizes nele bloqueada.
Ao contrário do que suporia a frase da nossa escritora, com que este texto começou, quer em Chantal Thomas, quer em Ivan Jablonka, está em causa o resgate do passado para melhor consolidar o legado identitário de que se sentem tardios herdeiros.

Sem comentários: