O cinema italiano mais recente tem-me dado algumas surpresas gratas. Tirando o caso específico do Nanni Moretti, de quem há muito não perco um filme (e reconheço ter-me disposto a ver este por ele aqui interpretar um dos personagens!), começo por resistir-lhe mas, cedendo à curiosidade, tem sido constante o encontro com narrativas densas e temas complexos.
"O Colibri" é disso exemplo cabal. Trata-se de um filme sobre o tempo - ou melhor, sobre como a vida corre num ápice e nem sempre a sabemos aproveitar como o faríamos se voltássemos a tentar revivê-la de novo, para não repetir os erros que fizemos. A metáfora do título é eloquente: tal como o colibri bate as asas a uma velocidade vertiginosa mas permanece aparentemente imóvel no ar, também nós atravessamos décadas numa sucessão frenética de momentos sem nos darmos conta de que estamos, afinal, parados no essencial.
A estrutura narrativa não-linear é habilmente criada pela realizadora, que consegue dar verosimilhança ao protagonista Marco Carrera mesmo quando não é interpretado pelo mesmo ator. Saltamos entre a infância, a juventude, a maturidade e a velhice sem aviso prévio, como funciona a própria memória quando revisitamos uma vida inteira. E é precisamente nessa fragmentação temporal que o filme encontra força: obriga-nos a montar o puzzle de uma existência onde as escolhas erradas só se revelam como tal muito tempo depois de terem sido feitas.
Os erros de Marco têm a ver com o não dar-se importância, a cada momento, ao que mais importa, perdendo-se no que não é essencial. A cena em que percebe que, na mesa de jogo, pode ganhar muito dinheiro, mas em contraponto será sempre mais infeliz, é um momento definidor dessa consciência tardia. É o instante em que compreende que andou a perseguir fantasmas enquanto a vida verdadeira - feita de afetos, de presenças, de pequenas atenções quotidianas - lhe escapava entre os dedos. O dinheiro, o sucesso, a excitação do risco: tudo é oco quando confrontado com o que realmente sustenta uma vida com sentido.
Mas "O Colibri" não se limita a ser um inventário de arrependimentos. Num dos seus gestos mais corajosos, o filme apresenta a eutanásia como solução para um fim digno, abordando o tema com a serenidade de quem sabe que há momentos em que escolher a própria morte é o último ato de autonomia e dignidade que nos resta. Não é um tema fácil, mas Archibugi trata-o sem melodrama, sem julgamentos morais fáceis, apenas com a consciência de que uma vida vivida com lucidez merece também uma despedida lúcida.
É este olhar, simultaneamente compassivo e implacável, sobre a condição humana que faz de "O Colibri" um filme tão perturbador quanto necessário. Não nos oferece redenções fáceis nem finais reconfortantes. Apenas deixa a consciência de que também nós, enquanto o vemos, podemos estar a bater as asas freneticamente - e talvez, como Marco, só nos apercebamos tarde demais de que ficámos parados no lugar errado.
