quinta-feira, abril 24, 2025

O último minuto na vida de José

O que terá sido o último minuto da longa vida do nosso Nobel?

Miguel Real que, em coautoria com Filomena Oliveira, já dele nos dera a mais fiável biografia («As 7 Vidas de José Saramago») - nada consonante com a de um conhecido alcoviteiro interessado pelas intrigas típicas da imprensa cor-de-rosa! -, imaginou a tempestade cerebral  do escritor, quando visitado, uma última vez, pelas pessoas e personagens ficcionais mais relevantes no seu percurso.

O estilo da ficção é assumido pastiche do escritor para facultar-nos uma súmula da sua biografia e obra. Fica-nos assim o seu lado de infatigável trabalhador, subindo a pulso e sem ninguém atropelar na escada social, que o leva de operário a manga-de-alpaca, de editor a escritor só tardiamente bem sucedido, mas nunca desistindo dos objetivos a que se propôs: os de servir-se do manuseio das palavras para pugnar pelos direitos dos mais injustiçados.

Miguel Real formula a hipótese de levar consigo um único lamento: o de não ter sido ainda mais ativo nessa transformação política, que obviasse à natureza humana mais vocacionada para o mal do que para o bem.

Fica, ainda, uma constatação óbvia: apesar de não se identificar com muitos dos que dele pior disseram que Maomé do toucinho, nunca se lhe ouviu uma critica sórdida como a dada pelo mais notório dos detratores, eivado de inveja por não ter recebido, em seu lugar, o reconhecimento da Academia sueca.

E o mesmo em relação às mulheres com quem viveu, ambas referidas com o respeito de quem mereceu o seu amor com minúscula, que o grafado com maiúscula a Pilar ficou fundamentadamente reservado. Mesmo tendo a despeitada Isabel da Nóbrega alimentado uma campanha de mentiras sobre a génese do seu talento!

Para quem teve, nesse distante 8 de outubro de 1998, uma das grandes alegrias na vida - o chapadão violento que soou nas caras de Cavaco Silva, Santana Lopes e Sousa Lara! - o reencontro com a vida e a obra de Saramago é sempre uma festa...

domingo, abril 20, 2025

A mudança no sentido da mensagem artística

 

Uma obra artística não fica congelada no tempo da sua criação. São muitos os exemplos possíveis para o demonstrar, mas recorramos ao tema lançado pelos Kraftwerk em novembro de 1975.

Ralf Hütter afirmou que, inicialmente, não havia nenhuma posição de princípio sobre o tema, que utilizavam com neutralidade para, com ironia, explorar o trocadilho entre a "atividade de rádio" e "radioatividade". Já havia, porém, a dualidade entre o fascínio da tecnologia, expresso no verso de homenagem a Madame Curie, e algo presente no ar para ti e para mim.

Os sucessivos desastres nucleares - Three Mile Island, Chernobyl - fizeram os Kraftwerk alterar a intenção inicial, orientando-a para um posicionamento antinuclear de alerta para os perigos subjacentes a tal forma de energia. Em letras, que foram mudando, não faltou a mensagem Stop radioactivity, nem o código morse a sublinhar a ideia de presença invisível. Sempre preservando a sonoridade eletrónica minimalista e icónica.