A primeira oportunidade para assistir à versão da «Missa Solemnis» de Beethoven na atual temporada da Gulbenkian já se concluiu há hora e meia, mas pode-se ainda aproveitá-la na repetição a ocorrer nesta sexta-feira, 27, pelas 19 horas.
Continuando a abordar a peça, andamento a andamento, proponho o link para a versão dirigida, há quatro anos atrás, pelo maestro William Weinert com a Eastman School Symphony Orchestra e o respetivo coro.
Este andamento é o que coloca maiores dúvidas quanto à efetiva sinceridade religiosa do compositor em relação à doutrina, que supostamente aqui glorificava. Os tenores murmuram apressadamente os seus principais enunciados, mas são abafados pelos gritos corais repetidos de «Credo».
O texto torna-se muito mais audível, quando se trata da salvação, do sofrimento e da encarnação, e, sobretudo, na conclusão: «Et vitam venturi saeculi» (“E a vida do mundo que virá”). Sugere, assim, um futuro bem mais bonançoso do que a vida terrena terá facultado ao autor e a quem ouve a sua obra.
A dúvida sobre os sentimentos religiosos de Beethoven divide os seus biógrafos. Há quem sublinhe a pressão por ele imposta para que o sobrinho tivesse instrução religiosa, e até tomasse o último sacramento, embora já estivesse demasiado fraco para o conseguir rejeitar. Mas os que o veem como um católico não praticante alertam para o fascínio nele exercido por outras religiões (a persa ou as de cunho panteísta) bem como a amizade com Johann Michael Sailer, um teólogo iluminista, que desprezava o clericalismo e considerava prioritário o que se passava no íntimo de cada um, porquanto a espiritualidade seria sempre uma experiência individual.
«Missa Solemnis» deve, pois, ser ouvida na postura assumida pelo escultor Rui Chafes que, em entrevista recente, disse: “Acredito que a transcendência não tem outro significado a não ser o de mostrar ou pressentir algo que não está aqui”.
Pode, pois, não existir motivo para acreditar em nada do que aqui se celebra, mas que é bonito, lá isso é...
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