segunda-feira, maio 16, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «American Honey» de Andrea Arnold

Nunca a América representou para mim a Terra dos Sonhos. Talvez porque, em criança e adolescente, os filmes que vi me dessem preferencialmente dela a vertente representada em «Vinhas da Ira» ou dos policiais de série B. Ademais, muito cedo comecei a ouvir e a ler sobre os crimes do macarthismo, que desmentiam a lógica de um país genuinamente democrático.
Quando ali estive pela primeira vez - tinha então 22 anos! - conheci de bem perto a realidade dos nossos compatriotas em Newark ou em Elizabeth, que desmentiam qualquer infiltração de uma mínima ilusão. Trabalhavam em ofícios duros 12 a 14 horas por dia - lembro-me de um deles que as ocupava a matar dezenas de bovinos num matadouro - e sem quaisquer direitos na doença. Um dos meus interlocutores acabara de ser pai e o parto importara em 3500 dólares o que o levava a confessar a impossibilidade de, nos anos seguintes, não ter possibilidades de vir às habituais festas do Espírito Santo, em Ponta Delgada.
A própria polícia norte-americana era ameaçadora, evitando recorrer a ela para a mínima informação sobre o sítio onde pretenderia ir. Quando o fiz a resposta foi tudo menos satisfatória, levando-me a pensar que seria estratégia a evitar no futuro.
Remexo nestas memórias para abordar mais um dos filmes interessantes, que estão a ser mostrados no Festival de Cannes. Das imagens, que dele vi, «American Honey« trata precisamente de um vasto território onde viver chega a ser um suplício.
Realizado por Andrea Arnold o filme retrata um conjunto de jovens que percorrem a América em busca de dinheiro com que possam viver, encontrando trabalhos de circunstância aqui e além. 
Eles representam, décadas depois, os sucessores dos Okies dos anos 30, que acorriam aos pomares da Califórnia para encontrarem o mínimo com que pudessem sobreviver. Ao longo da viagem encontram muitos dos motivos, que justificam hoje a divisão da população entre os que se iludem com as propostas de Trump ou dos pastores evangélicos e os apostados apenas em divisar uma hipótese de futuro num presente já de si tão incerto.
A crítica anda a incensar o trabalho da realizadora britânica e garante-lhe sérias hipóteses de vir a ser premiado no palmarés. A tal suceder teremos mais hipóteses de o ver chegar aqui aos nossos ecrãs. 

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