sexta-feira, maio 20, 2016

LEITURAS AVULSAS: «False River» de Dominique Botha

Uma escritora sul-africana de apelido Botha? É de começar por desconfiar ou não nos lembremos dos nomes de Pieter Willem Botha e de Pik Botha, como dois dos expoentes do regime do apartheid nos seus anos derradeiros. Mas se nem esses dois tinham qualquer parentesco entre si, também Dominique Botha nada parece ter de familiar com eles a não ser o apelido que, presumo, seja assim uma espécie de Dupont ou de Silva para os afrikanders.
Da biografia da autora de «False River» fica-se a saber que cresceu num enorme latifúndio perto de Vals River, no centro da África do Sul. Depois de se diplomar pela universidade de Witwatersrand, radicou-se em Joanesburgo onde está ligada a diversas associações de carácter cultural.
Neste seu primeiro romance surgem dois personagens principais: ela e o irmão, Paul Botha, que define como alguém apostado em escapar aos constrangimentos familiares e a qualquer fórmula de disciplina. O exato contrário da irmã, que só anseia em ser uma rapariga bem comportada (na aceção beauvoiriana) e uma futura esposa exemplar.
Vive-se então o crepúsculo do regime de segregação social e a narradora constata que os pais, embora militando pela igualdade entre Negros e Brancos e antecipando tais relações para com os empregados da quinta, continuam a manter uma perspetiva muito conservadora nos valores familiares. Razão para que Paul, depois de expulso da Universidade, deserte do serviço militar. Tanto mais que, segundo escreve à irmã, eles “marimbam-se para a nossa cura. Querem-nos só fazer bestas sedentas de sangue, capazes de massacrar quem quer que seja. E quem não cooperar é considerado maluco”.
O tema do romance é, pois, a contradição entre uma postura política progressista e a radicalmente oposta na educação dos filhos. Mas, também, lá constam as belíssimas paisagens africanas ou os usos e costumes da comunidade afrikander. Por isso constitui leitura ajustada para compreender melhor as condições em que se verificou a transição de poder entre o regime racista e o que viria a ser liderado por Nelson Mandela.
Tudo aponta, até pelos prémios que anda a conquistar, que voltemos a ouvir falar de Dominique Botha como um dos expoentes da nova literatura sul-africana.


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