Há cem anos a Europa estava a conhecer os horrores da 1ª Grande Guerra, que levava alguns a conjeturar a possibilidade de não se vir a repetir outra tão hediondamente cruel. As décadas, entretanto decorridas, demonstraram bem como não existem limites insuperáveis quando se trata de bestialidade humana.
Desses quatro anos de lutas nas trincheiras o cinema ofereceu múltiplos testemunhos. Evoco dois como representativos do que constituíam as inquietações de quem então viveu.
«O Adeus às Armas» foi realizado em 1932 por Frank Borzage, numa adaptação feliz do romance de Ernest Hemingway, sobre um desmedido e trágico amor vivido no último ano do conflito, e interpretado por Gary Cooper e Helen Hayes em estado de graça.
A ação passa-se em 1918 no norte de Itália onde o tenente norte-americano Frederic Henry trabalha nas ambulâncias de apoio ao exército que combate as forças austro-húngaras.
Comportando-se com uma irresponsabilidade, que o leva a correr riscos desnecessários na frente de combate, compensa-os com a boémia a que se dedica, quando volta à retaguarda ao fim de cada missão. Até que um major italiano seu amigo, Rinaldi, o apresenta a Catherine Barkley, enfermeira britânica, que perdera recentemente o noivo em combate.
Borzage revela-se um grande nome do cinema melodramático, conseguindo encharcar lenços às almas mais piegas. Na cerimónia dos Óscares de 1934 ganharia nas categorias do som e da fotografia.
Vinte cinco anos depois Stanley Kubrick concretizou um dos filmes, que a censura do Estado Novo tratou de manter proibido até ao 25 de abril: «Horizontes de Glória» e onde se revela um episódio sombrio, que explicita bem o carácter absurdo da instituição militar.
Em 1916 a guerra está num impasse com as posições bem protegidas de ambos os lados. Qualquer assalto revela-se suicida.
Mas, para conseguir uma estrela adicional no seu uniforme, o general Mireau decide-se por um novo ataque, apesar da oposição do coronel Dax. Ameaçado de represálias, ele cede e dá a ordem para que os seus homens avancem na terra de ninguém. O fracasso é total...
Quatro dos treze filmes de Kubrick tinham a guerra como tema e, se aqui fustiga o exército francês, não pressupõe qualquer tese positiva, seja ela pacifista ou patriótica. Pelo contrário contenta-se em expor um sistema irracional, se não mesmo demente. Por isso não há heróis nem vitórias militares.
Constituindo o melhor filme do seu primeiro período criativo, Kubrick partirá para a fase seguinte, aquela em que se interessa, sobretudo, pela loucura humana, mesmo nuanceada pelo humor distanciado que transforma os episódios mais trágicos em autênticas farsas...
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