segunda-feira, dezembro 31, 2007

DUAS FORMAS DIFERENTES DE TRANSGRESSÃO FEMININA

De entre os livros mais recentes publicados em França avultam dois, que abordam outras tantas formas de expressão da transgressão feminina.
Em «La Passion Selon Juette» a escritora Clara Dupont-Monod dirige o leitor para o século XII, essa época de heresias, em que uma rapariga sentirá bem na pele a sua irreverência.
Juette é obrigada a casar aos 13 anos e enviúva aos 18, alimentando pelo meio um ódio total aos homens, cuja brutalidade nada tem a ver com a imagem mítica dos cavaleiros, que alimentara até à autêntica violação, que significou para ela cada acto sexual.
Por isso agora ela diz não. À Igreja, aos pais, a todos quantos se atrevam a considerá-la um mero objecto de desejo. Daí que se veja condenada num processo, que a vitimará…
Por seu lado Ananda Devi, com o seu «Indian Tango», mostra como, na preconceituosa sociedade indiana, uma mulher cinquentona acorda para o prazer, para a sua feminilidade.
É uma outra verdade interior, que lhe sobrevem, a contracorrente de tudo quanto parecem pensar todos quantos os que a rodeiam.

domingo, dezembro 30, 2007

O FUTURO JÁ NÃO É O QUE ERA

Conheço a frase, mas só agora, ao vê-la recordada no «Público», é que a associo a Paul Valéry:
O problema com o nosso tempo é que o futuro já não é o que era.
E ela enquadra-se, perfeitamente, neste tempo em que perdemos todas as certezas a respeito do que será esse porvir: são tantas as ameaças, que se colocam ao nosso bem estar; são tantas as incertezas a respeito das ideologias, que balizarão os nossos passos, que conformamo-nos com o ir vivendo o dia-a-dia sem aspirarmos a grandes utopias nem nos deixarmos aterrorizar pelos cenários catastróficos enunciados por alguns.
É verdade que essa posteridade me era bem mais aliciante nesse longínquo passado em que acreditava na possibilidade de um homem novo numa sociedade cada vez mais igualitária.
Desconhecia, então, a que dimensões ilimitadas poderia estender-se a cupidez desse minoria, que se apossa sem vergonha de todos os poderes, inclusive o da informação ou o da educação, para fazer crer na normalidade de uma desigualdade congénita a qualquer sociedade humana. Estimulando nos mais explorados, nos mais miseráveis, as suas piores características. Aquelas que nos fazem arrepiar quando deparamos com a cegueira dos que se deixam arrastar por fundamentalismos religiosos, clubistas ou xenofóbicos. Os que aparecem nas televisões a gritarem revoltas inócuas para os seus verdadeiros opressores, sem entenderem o quão manipulados são por estes para dispararem em todas as direcções a sua raiva menos para a que mereceria de facto o seu ódio de classe.
Se o futuro já não é o que era, até posso estar enganado num certo pessimismo ideológico e estar a germinar na Venezuela de Chavez ou na Rússia de Putin - tão odiados ambos pelos opinadores dominantes - algo que signifique o regresso a carris de que, há muito se descarrilou…

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Benazir Bhutto assassinada!

A morte de Benazir Bhutto não surpreende. Afinal ela já escapara a tantas tentativas de assassinato, que era uma questão de tempo até serem coroados de êxito os esforços dos seus inimigos. Os que nunca aceitaram de bom grado, que uma mulher fosse líder num país muçulmano, pondo em causa os seus preconceitos atávicos.
Convertê-la em mártir pode trazer ganhos a curto prazo aos conspiradores islamistas, que terão estado por trás deste crime. Estejam eles próximos ou não do actual poder em Islamabad. Ou escondam-se atrás de Sharif, que apareceu em pose hipócrita a cavalgar em cima dos despojos da rival.
Para já não se perfila no horizonte nenhuma outra mulher tão forte num país, que concentra em si o essencial do que mais se aproxima de um choque de civilizações…
Mas, assumamos um certo optimismo no meio de mais esta tragédia e acreditemos, que esse martírio torná-la-á no símbolo de uma esperança jamais apagada para quem aposta na bondade de porfiar sempre no caminho do progresso, do derrube das barreiras, que se opõem a uma modernidade mais humanizada…

O Dueto das Flores, uma vez mais

É a interpretação de referência da bela área do Delibes pelas vozes sublimes de Anna Netrebko e de Elina Garanca.
Tinha-a posto no outro blogue, mas esse link perdeu-se. Fica aqui outra vez para ver e rever, ouvir e tornar a ouvir...

Milton's Marilyn

E se Marilyn tivesse escapado ao matadouro holywoodiano. Que pessoa teria germinado de uma personalidade capaz de vencer a sua própria vulnerabilidade e levar até ao fim o caminho que a pôs a defender Arthur Miller contra os caçadores de bruxas e a estudar representação no Actor's Studio?

QUANDO MARILYN QUIS DEIXAR DE O SER!

Um dos grandes admiradores de Marilyn Monroe em França é o realizador Patrick Jeudy. Deve-se a ele uma exposição de referência na Maison Européenne de la Photographie, que mostrava a actriz em poses intimistas, captada pela câmara de quem melhor procurara indagar o que se escondia para além da aparente frivolidade da sua imagem hollywoodesca.
Esse interesse do realizador prolongou-se num documentário intitulado «Marilyn malgré elle», datado de 2002 e em cujos cinquenta e dois minutos de duração, ele aborda esse período lapidar na carreira dela, que decorreu entre 1955 e 1957. O tal em que ela abandona Los Angeles, escondida sob o pseudónimo de Zelda Zonk, e se refugia em Nova Iorque em casa do fotógrafo Milton Greene.
A sua relação com o casal Greene confere-lhe o ambiente familiar, que ela nunca chegara verdadeiramente a conhecer. Enquanto estuda no Actor’s Studio, inicia a relação com Arthur Miller e frequenta sessões de psicanálise, ela posa para o seu anfitrião, que consegue as fotografias mais belas alguma vez dela captadas.
É um tempo em que se chega a acreditar na prevalência de uma outra Marilyn, capaz de virar costas a uma indústria, que a usara e abusara como paradigma de um tipo de pessoa, que ela intimamente rejeitava.
Mas depressa esse esforço se esvai perante a tentação dos dólares e a ilusão da fama. Marilyn regressará ao redil, porventura sem saber que se encaminha afinal para o matadouro…

quarta-feira, dezembro 26, 2007

HENRY DE MONFREID: UM AVENTUREIRO POR CONVICÇÃO

Nos seus noventa e cinco anos de vida, o aventureiro francês Henry de Monfreid aprendeu o suficiente para deixar aos vindouros um lema instrutivo: «Nunca tenham medo da vida, nem da aventura. Confiem no acaso, na sorte, no destino. Partam! Procurem outros espaços, outras esperanças. O resto virá por acréscimo!»
Foi isso que ele decidiu desde muito cedo, quando as inundações do Sena o ameaçaram de miséria, e o forçaram a partir num barco para o Corno de África, deixando-o no que hoje é conhecido como Djibuti.
Na época - estava-se em 1910 - tratava-se do Território francês dos Afars e dos Issas, mesmo à beira do deserto mais absoluto.
Henri Michaud, que passará por ali, definirá essa terra como sendo aquela onde «não há nada para ver e tudo está por interpretar».
Aquele que muitos consideram o maior aventureiro do século XX interpreta todos os sinais desse lugar e torna-se numa referência respeitada, apesar de se dedicar ao ofício de traficante de armas e de haxixe, comprando a mercadoria na Índia e vendendo-a no Egipto. Para ser bem sucedido não hesita em suplantar a concorrência e os ladrões com a construção de barcos sempre mais rápidos.
Mas não é só como construtor naval, que ele se notabiliza: pescador de pérolas, pianista, pintor de aguarelas, Henry de Monfreid também assusta as melancólicas autoridades coloniais com a sua vontade de intervir politicamente. Na Primeira Guerra Mundial decide combater os turcos quase sem qualquer apoio. E, na Segunda, como o imperador etíope Hailé Seilassíé era o seu inimigo de estimação devido às suas tentações expansionistas em relação ao Djibuti e ao Iémen, Monfreid acaba como aliado das tropas italianas, sendo colocado pelos ingleses em prisão domiciliária no Quénia.
Mas já antes Monfreid escapara ao envenenamento, que Selassié procurara conseguir através de uma caneca de café. Diz-se que exagerou na dose, já que Monfreid acabaria por vomitar a beberagem.
Já tinha, entretanto, iniciado os relatos das suas aventuras, primeiro como continuação das cartas ao próprio pai. Depois, terá sido Joseph Kessel quem o instigou a passar a papel tudo quanto conhecia.
Surgiram assim «Os Segredos do Mar Vermelho», primeiro de vários tomos, que ele escreveu, a propósito das suas viagens, contactando vagabundos, aventureiros, caçadores de prémios e funcionários coloniais numa atmosfera apocalíptica.
Amigo de Teilhard de Chardin, ele torna-se numa espécie de D. Quixote orgulhoso e rude, que não prescindia de três cachimbadas de ópio nos dias normais e o dobro naqueles em que se visse obrigado a dar entrevistas...

terça-feira, dezembro 25, 2007

OS CRIMES DE UM CRÁPULA

Não é que a notícia surpreenda, mas o facto de Edgar Hoover pressionar Truman para que, em 1950, fossem presos doze mil suspeitos de traição aos Estados Unidos devido às suas eventuais simpatias comunistas, é bem demonstrativa da dimensão comportamental do crápula, que chefiou o FBI entre 1924 e 1972.
Para além de ser o superpolícia, que prendeu e humilhou homossexuais por o serem, enquanto vivia um escaldante romance com o seu próprio adjunto, Hoover conseguiu limitar os danos à sua imagem pública ao transferir para o alcoólico McCarthy todo o odioso da tremenda campanha de «caça às bruxas», que acabava por comandar na sombra.
Para Hoover esses suspeitos deveriam ser presos em campos de concentração, sem lhes ser formulada qualquer acusação nem possibilidade de recorrerem ao habeas corpus. Algo, pois, semelhante ao que a Administração Bush levou por diante em Guantanamo.
Para os paladinos da «democracia» norte-americana aqui está mais um exemplo da cultura e dos valores, que ela representa: o poder abusivo de gente sem escrúpulos muito raramente confrontada com o merecido castigo, que lhes caberia...

segunda-feira, dezembro 24, 2007

OS ESTADOS DE ALMA DOS EUA

Não é só por ser o autor de «Elephant», um dos filmes que tomaram o massacre de Colombine como tema: o cinema de Gus Van Sant espelha um enorme mal estar na juventude norte-americana.
Embora as notícias vão dando conta de uma América política bastante conservadora, que chega a ter fundamentalistas cristãos como candidatos credíveis à Presidência pelos maiores partidos, os estados de alma dos personagens dos filmes deste realizador lembram aquela época distante, em plenos anos 60, quando o macartismo parecia ter dobrado a espinha a quem se posicionava ideologicamente à esquerda e o poder económico tomava de assalto todas as instituições do poder político e social. E, no entanto, a explosão da segunda metade dessa década não tardaria - com a luta pelos Direitos Cívicos, pela contestação à Guerra do Vietname, com a revolução sexual e o ambiente de guerrilha nos campus universitários.
«Paranoid Park» confirma isso mesmo: há toda uma geração insatisfeita, que está pronta a virar de pantanas a América conservadora, mas ainda não sabe como fazê-lo. Até porque a assaltam pruridos morais, que lhe tolhem a compreensão dos impasses deixados pela gestão Bush em tempo de despedida.
É por isso que os filmes de Van Sant são extremamente políticos: mesmo sem comportarem uma mensagem (como o faz Michael Moore), eles são o testemunho de uma transformação, que se pode pressentir, mesmo que ainda não tenha verdadeiramente começado a explicitar-se...

terça-feira, dezembro 18, 2007

TICIANO: «DANAE»

O quadro de Ticiano, «Danae», pintado entre 1544 e 1546, surgiu de uma encomenda do cardeal Alessandro Farnese, nele representando-se, para além da cena mitológica, a própria amante do comprador.
A história é a da filha do Rei Acrísios, que a manda encerrar numa torre ao saber do presságio, que o dá como futura vítima mortal das acções do neto.
Ora, apaixonado por ela, Zeus fecunda-a com um jacto de ouro, nascendo assim Perseu.
O quadro mostra Danae de olhos lânguidos e pernas abertas, disponível para facilitar a penetração da semente divina, com a cumplicidade de Cupido.
Num quadro de grandes dimensões (120 x 172 cm) em que tudo é sugerido, os tons escolhidos por Ticiano pretendem reforçar essa sensualidade pecaminosa, que tantos engulhos causou aos pudicos de então e de agora...

JEAN ÉCHENOZ: «RAVEL»

O livro que Jean Echenoz escreveu em 2006 subordinado à figura de Ravel mereceu-me atenção interessada, mas sem chegar aos entusiasmos de alguns críticos, que o incensaram como romance bem escrito e equilibrado.
O escritor francês pega em alguns factos conhecidos da vida do compositor do «Bolero», acrescenta-lhe algumas suposições credíveis e traça assim o retrato de um homem eivado de um imenso cansaço existencial.
Sobretudo neste final de ano de 1927, quando se desloca à América e sente iminente o declínio, que o fará arrastar-se até à morte, dez anos depois, durante uma operação falhada à sua atrofia cerebral, responsável pela sua progressiva perda de capacidades (de entendimento, de falar e de escrever).
No final ficamos a conhecer um pouco melhor este homem singular, que quanto mais não fosse pela sua famosíssima peça ficaria duradouramente nas nossas memórias…

segunda-feira, dezembro 17, 2007

NOVAS LINGUAGENS NO MUSEU DO CHIADO

O Museu do Chiado está com uma exposição muito interessante sobre as novas linguagens possibilitadas pelo vídeo.
Oriundas do Centre Pompidou, essas obras reflectem um quotidiano aonde o direito à privacidade se perdeu em proveito de uma vídeo vigilância generalizada em conformidade com as idiossincrasias de um tempo pós-11 de Setembro.
Há, igualmente, a interacção entre o criador e o espectador das obras que, de mero sujeito passivo, assume nelas o papel de protagonista. Há peças emblemáticas como as dos movimentos de direcção de uma orquestra, que interpreta a banda sonora do «Vertigo» de Hitchcock. Ou o relato do verdadeiro assaltante do Banco, que deu origem ao filme «Um Dia de Cão», que relata na primeira pessoa como tudo se terá passado. Ou a reflexão de Jean Luc Godard a propósito de um dos seus mais conhecidos filmes.

domingo, dezembro 16, 2007

O SABOR DA CEREJA

Este foi o filme que tornou Kiarostami conhecido a nível internacional. Desde então, o que vem com a sua assinatura, sejam filmes, sejam fotografias, trazem a marca de uma inquestionável qualidade...

ABBAS KIAROSTAMI E O ESPAÇO PRIVADO

A reportagem com que começa o programa cultural do canal franco-alemão ARTE diz respeito a Abbas Kiarostami, realizador iraniano, tornado conhecido com a Palma de Ouro em Cannes atribuída, em 1987, com «O Sabor da Cereja».
Essa consagração internacional leva-o a dizer-se muito mais livre hoje em dia, já que não depende de ninguém para levar por diante o seu trabalho.
Mas convirá notar que Kiarostami evita filmar o espaço privado, aquele sobre o qual a censura do seu país mais facilmente encontraria motivos de rejeição.
Cineasta do tempo, a paisagem é protagonista dos seus filmes, mediante o recurso frequente aos planos-sequência.
Isso não significa que o seu cinema seja menos político. Porque o espaço privado aparece representado nos carros, quase sempre presentes nas suas obras. Sinónimos de movimento, eles acabam por permitir a abordagem dos temas caros ao realizador como o da violência entre homens e mulheres.
Mas a verdadeira razão porque Kiarostami é muito menos incomodado pelos censores do seu país do que alguns dos seus colegas de profissão, reside no facto de ter ganho a reputação de ser um realizador de filmes para festivais, que internamente só interessarão a uma pequena elite, incapaz de pôr em causa o poder dos ayattollahs.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

O fim dos tapetes de Arraiolos

Há condicionalismos incontornáveis causados pela globalização. A redução dos preços na generalidade dos produtos e serviços, que possibilitou o crescimento exponencial do consumo característico dos dias de hoje, só foi possível com a deslocalização dos principais custos de mão-de-obra.
Uma das vítimas dessa realidade é a produção dos tapetes de Arraiolos. Senão vejamos os factos: um tapete genuíno, com quarenta mil pontos, custa 200 euros e 15 dias de trabalho a oito horas.
Isto significa que, mesmo na melhor das hipóteses, essa operária nunca conseguirá auferir o salário mínimo nacional.
Ora, da China, vêm agora tapetes exactamente iguais, com lã de melhor qualidade, a custarem metade desse valor. Está ditado assim o epílogo de um produto tradicional da nossa cultura…
É claro que há quem culpe as grandes superfícies por terem fomentado essa concorrência, culpando-as por estarem por detrás de todo o circuito de contrafacção. Há quem queira garantir medidas proteccionistas!
Mas a realidade será outra: acabam-se os tapetes associados à conhecida terra alentejana… e afirmam-se no mercado os tapetes made in China.
É quando os operários chineses tiverem melhores salários do que os portugueses, que a produção virá de outro lado.
Até, possivelmente, de Arraiolos se a globalização nos tornar ainda menos abonados do que já somos…

quarta-feira, novembro 14, 2007

Voltaire: «A História de um Bom Brâmane»

Escrita em 1761, esta pequena «bagatela» de Voltaire põe uma questão pertinente: se o conhecimento gera a infelicidade de se conseguir compreender o quão pouco se sabe, não valerá mais a ignorância, que facilita a ingénua felicidade de quem não tem de se preocupar com os grandes temas da Humanidade?
A parábola de Voltaire tem um brâmane como protagonista, um homem sábio mas desgostado por, ao fim de quarenta anos de estudo, saber que tudo ignora: «Não só o principio do meu pensamento me é desconhecido, como o princípio dos meus movimentos me é também oculto; não sei porque existo».
Que sentido faz então o enciclopedismo, essa ânsia de tudo saber e tudo compreender? Os imbecis, mesmo inconscientes de quanto o são, mostram-se bem mais serenos do que os homens cultos, que acumulam saberes, mas nunca conseguem encontrar razões, nem explicações para as grandes questões colocadas pelo mero facto de existir.
O problema está em se abrir a porta do conhecimento. Ao saber-se quanto está do outro lado dela, a curiosidade nunca se mostrará satisfeita: cada resposta engendra milhentas perguntas não respondidas, que justificam a avidez em passar da soleira e penetrar o mais possível
Há quem diga que é um esforço inglório: ganha expressão uma corrente filosófica, que considera improvável conseguir-se ir mais longe no conhecimento do infinitamente pequeno e do infinitamente grande, pelo que não se deverão aguardar grandes transformações sociais e tecnológicas num futuro próximo.
Arriscaria a classificação de imbecis ignorantes a quem tal defende: se olharmos para a evolução ocorrida entre a época de Voltaire e a nossa, ela é tão imensa, que s ideia de se conhecer uma inflexão na aceleração do conhecimento humano me parece muito improvável…
Até porque muito do que se sabe ainda se situa ao nível das hipóteses teóricas, que se espera ver concretizado em demonstrações práticas, que as confirmem ou abram campo para outras alternativas. E, tendo em conta, que muito do conhecimento, que temos actualmente de tudo quanto nos rodeia ainda passa pelos filtros dos preconceitos, das rotinas, mormente os alimentados por absurdas crenças religiosas, conclui-se a verosimilhança de quem prevê sempre novas e revolucionárias descobertas.
A infelicidade está prometida aos ignorantes, cujo cabimento nesta sociedade do conhecimento se torna cada vez mais complicado...

Dois Escritores em Lados Opostos da História


Em 1960, quando os mais complacentes estavam dispostos a jurar pela sua genialidade, apesar das infâmias, que havia escrito sobre os judeus na época do seu inequívoco alinhamento com o nazismo, Céline publicou «Norte».
Não é livro, em que alguma vez arrisque a leitura - há coisas, que me dão vómitos e ler um nazi, mesmo que elogiado por um Baptista Bastos, não é petisco convidativo - mas não vem mal ao mundo por saber o que nele se versa.
Um articulista do «Nouvel Observateur» conta que se trata de um romance alucinado e autobiográfico sobre a queda do III Reich no Verão de 1944.
O Norte do título é a da direcção da fuga para escapar à morte certa, que já está a ser preparada para outros notórios nazis (Brasillach, por exemplo). No caso de Céline é a Dinamarca para onde pretende ir viver com a esposa, Lili, e com o gato Bébert, levando ainda como pendura um actor (Le Vigan).
É uma viagem em três etapas desde Baden Baden até ao decadente Brenner’s Park Hotel, aonde se bebe champanhe e come caviar no meio dos bombardeamentos aliados, passando pela esventrada Berlim, antes da chegada à fronteira prometida com a sensação de se enfrentar uma espécie de apocalipse para o qual só se pode assumir o medo, quando não mesmo a loucura.
Pode-se imaginar no texto o que os assassinos e os seus cúmplices terão sentido, quando o Exército Vermelho de um lado e os contingentes britânicos e norte-americanos do outro apertavam o efémero Império dos Mil Anos por todos os lados. E de como os poderosos de ontem se tornam medrosos trânsfugas.
Outro escritor, Patrick Cauvin, publicou há alguns meses o seu romance «Venge-moi!» passado na mesma época, mas na trincheira contrária: um miúdo fica sozinho na grande cidade, porque os pais foram deportados para um campo de concentração. Se o progenitor já nunca mais aparecerá, a mãe ainda regressa para lhe manifestar as suas suspeitas quanto à identidade de quem os terá denunciado. É a pedir-lhe vingança, que ela se despede ao deixá-lo órfão…
O que Cauvin conta é o trauma, a obsessão da ausência paterna, o medo da delação dos vizinhos e dos parentes. E os oprimidos, mesmo na vitória, nunca chegarão a gozar o prazer de se sentirem vencedores, já que sobram feridas impossíveis de cicatrizar...

domingo, novembro 11, 2007

A propósito do clip de Abbado

Teria gostado de inserir aqui o Adagietto desta mesma 5ª Sinfonia, até por ser o mais conhecido desde que Visconti a ele recorreu para dar uma sonoridade sublime ao seu filme «Morte em Veneza». Mas, helas, ainda não encontrei esse trecho no You Tube. Daí que tenha optado pela mesma sinfonia, interpretada no mesmo Festivalde Lucerna de 2004 e com um Claudio Abbado mais ou menos recuperado da sua terrível doença a dirigir a Orquestra com a sua espantosa maestria e impressionando com essas mãos esguias mas tão elegantes ao cirandarem pelo ar...

Mahler - 5th symphony - 2nd movement (Extract)

sábado, novembro 10, 2007

LUC-HENRI FAGE: «A MEMÓRIA DAS GRUTAS DE BORNÉU»

Há já vários anos que o espeleólogo Luc–Henri Fage e o arqueólogo Jean Michel Chazine exploram a ilha de Bornéu para tentarem encontrar as pistas de explicação do povoamento da ilha. A descoberta de grutas ornamentadas de desenhos rupestres os encorajou a prosseguir as inspecções.
Recentemente as autoridades emitiram-lhes uma licença de investigação nos montes Marang. Escoltados por guias dayaks e por cientistas indonésios, a equipa avança selva adentro em busca de novas grutas. As descobertas vão surpreendendo.
«Bornéu, a Memória das Grutas» começa por ser um documentário fabuloso sobre os trabalhos arqueológicos: ao principio um trabalho manual, que implica o recurso a um tremendo arsenal tecnológico. Sucede-se a evolução do trabalho com a recolha de impressões digitais deixadas nas paredes ou a descoberta de cerâmicas até à sua análise laboratorial, que permitirá datá-las.
Luc-Henri Fage e a sua equipa podem assim medir a dimensão da sua descoberta: as grutas de Bornéu contém vestígios com mais de 10 mil anos.
O realizador tenta contagiar o espectador com o seu projecto dando-lhe a ver e a tocar em coisas de que só pressentiria a existência há tempos imemoriais.
Mas as descobertas ultrapassam as melhores esperanças: há pinturas muito elaboradas de animais e de plantas eventualmente manchadas por impressões negativas ( marcas de mãos humanas em fundo ocre) decoradas e ligadas entre si por linhas.
A sua disposição nada aleatória aparece como resultado de uma intenção. Os investigadores hesitam ainda quanto ao seu sentido, provavelmente ligado a ritmos de iniciação de xamânicos…


***



Ainda será possível descobrir algo de novo sobre os nossos mais primitivos antepassados? No entendimento de alguns arqueólogos como os deste documentário a resposta é afirmativa, aliando novos conhecimentos adquiridos nas inscrições escondidas em grutas quase inacessíveis com a descoberta de espaços no planeta, de prodigiosa beleza.
Decerto que se fosse algo mais do que um personagem, Indiana Jones gostaria de acompanhar estes cientistas argutos. Porque a arqueologia também pode ganhar laivos de aventura e tornar-se em algo mais interessante do que a mera acumulação de documentos bafientos.
Até para os compreender o arqueólogo tem, então, de se assumir como um detective cioso de dar sentidos às suas provas...

domingo, outubro 28, 2007

Recordar Georges Brassens

De Brassens poderia escolher dezenas de canções, que merecem ser recordadas. Mas, pela importância dos seus amigos, que ele quis homenagear com esta canção, fiquemos então com este «Les Copains d'Abord».

Brassens: evocar um revolucionário

Uma das gravações televisivas de referência, quando se trata de Georges Brassens é a que François Chatel registou em 1972, durante um concerto na sala Bobino.
Acompanhado do seu habitual companheiro nestas lides, o contrabaixista Pierre Nicolas, o cantor fustiga os pequeno-burgueses e os polícias com uma veemência, que só se encontra hoje em dia nos rappers.
A canção era, em Brassens, algo de minimal: simples nos acordes, deveria apenas acompanhar os versos contundentes de um anarquista, que tudo contestava para gáudio de uma geração apostada em pôr em causa todos os cânones. E, por isso mesmo, assumidamente revolucionária!

sábado, outubro 27, 2007

The Ground Truth on DVD

Patricia Foulkrod: «The Ground Truth»

Ao princípio é o entusiasmo: vai-se servir o país, combater inimigos merecedores do nosso ódio e ganhamos dinheiro para uma bolsa universitária ou ganhamos mais dinheiro do que alguma vez contámos nos nossos bolsos.
É nesse estado de espírito, que encontramos os novos recrutas do Exército norte-americano, que se preparam para um exigente período de treinos militares e para praticá-los em teatro de guerra.
Este, não tem nada que saber, situa-se no Iraque. O tal país de um ditador ruim como tudo, capaz de ter armas de destruição maciça e de ser um aliado dos terroristas, que arrasaram com as Torres Gémeas em 11 de Setembro.
Mas o período de treino traz algumas surpresas: as canções falam da legitimidade de matar mulheres e crianças. Será assim?
A prática demonstra-o: não tardarão a fazê-lo no Médio Oriente, quando o facto de titubearem perante o assassínio a sangue frio os torna alvo de chacota dos colegas. Então mata-se a mulher, que trazia um lenço branco na mão ou os pacatos iraquianos, que iam num carro a passar pelo local errado à hora errada.
O pior é quando o remorso assalta. Compreende-se que o Exército tornou eticamente reprováveis, quem de si sempre cultivara uma imagem irrepreensível.
O filme de Patrícia Foulkrod aborda este tema muito sensível, dando voz a esses jovens obrigados a crescer de uma forma tremenda em poucos meses. E que ganharam marcas físicas (uma mão perdida, queimaduras, etc) e psicológicas, que nunca mais se poderão apagar.
Embora possa ser objecto das dúvidas dos detractores, ele mostra uma Verdade, que não pode ser negada. E que justificaria bem o julgamento de George W. Bush, de Donald Rumsfeld e de outros altos responsáveis da Casa Branca e do Pentágono num julgamento com as mesmas características do de Nuremberga. Porque o que aqui está em causa não é a luta pela Democracia ou pelos Direitos Humanos, mas uma vontade imperialista, que acabou por correr bastante mal. Sobretudo para quem dela foi mero peão ...

sexta-feira, outubro 26, 2007

O medo do Construtor Solness

O construtor Sölness tem medo. Há uma nova geração a despontar, com novos conceitos arquitectónicos, que lhe são estranhos. É o caso do seu jovem assistente Ragnar, a quem paga um bom salário tão só não se atreva a autonomizar-se em projectos próprios.
O tema do medo, assim tratado na peça de Ibsen actualmente em cena na Cornucópia, é extremamente actual: não só porque as novas gerações, atormentadas pelo desemprego, mesmo quando ditadas de diplomas universitários, aí estão a bater à porta dos nossos próprios empregos, dispostas a fazer melhor e mais do que nós, os cinquentões, conseguimos fazer. E a reforma ainda se mostra tão distante … e, sobretudo, tão incerta, ou não estejam em risco os nossos Sistemas de Segurança Social!
Mas o medo tem, sobretudo, a ver com o entre parêntesis, que conheceram as utopias libertadoras da humanidade. Face a um sistema de mercado sujeito a tremendas crises, embora forte o suficiente para parecer o único exequível, as pessoas atemorizam-se com as sucessivas agressões de que são alvo: os empregos desinteressantes e mal remunerados; a insegurança latente explorada pelos media, que a empolam; a própria miséria afectiva em que se afunda uma grande maioria, incapaz de encontrar correspondência entre os seus sonhos e as realidades comezinhas de todos os dias.
O medo de Sölness não tem apenas a ver com a sucessão geracional, mas com tudo quanto comporta a própria vida!

domingo, outubro 21, 2007

O fim de uma certa forma de Utopia

Quando se pensa em cinema canadiano é inevitável chamar logo à colação o nome de Denys Arcand. Embora a sua filmografia conte com outros títulos interessantes, os que ele rodou com os mesmos personagens em 1986 e em 2003, são marcantes pela forma como aborda o fim das utopias a partir dos diálogos dos herdeiros do Maio de 1968.
Em «O Declínio do Império Americano» ainda se perspectivava a crise irreversível do grande vizinho a sul. Os personagens assumiam tormentos sentimentais e existenciais, mas a amizade era uma boa alternativa resultando dela as festas divertidas. Salvo, quando a aceitação colectiva da libertinagem colidia com a surpresa de continuarem arreigados os velhos preconceitos pequeno burgueses sobre a fidelidade e a traição. Então, caía a máscara de quem pretendia estar na vanguarda dos costumes…
Anos depois, já em «As Invasões Bárbaras», todas as perspectivas de uma evolução progressista do mundo caíram por terra e os personagens do filme anterior, encontraram os seus equilíbrios nas suas carreiras profissionais ou em novos amores. Para Remi, porém, a hora é de despedida: um cancro terminal está em vias de o levar de vez e os amigos vêm visitá-lo. Se no filme anterior as conversas ocorriam em ambiente de festa, agora é sob a influência da morte anunciada…
Terá morrido, assim, uma certa forma de transformação social e política - eis a questão, que o filme coloca. Dando uma resposta óbvia: na geração subsequente, embora com outros valores e preocupações, não está isenta essa vontade de mudar para um mundo novo a sério...

sábado, outubro 20, 2007

Pierre Perret , Mon p'tit lou

A voz de Pierre Perret já está muito cansada, falhando aqui e ali de forma algo comprometedora.
Mas a canção do Petit Loup, conhecida há mais de trinta anos, continua a ser uma referência, quando se trata de evocar a ternura através de palavras cantadas...

domingo, outubro 14, 2007

«O Sabor da Melancia»

O filme ainda está no King e é um dos mais interessantes do ano. Porque trata de Amor e de Sexo, de sentimentos e de consumismo, de seca e de molho de melancia...

quarta-feira, outubro 10, 2007

Cecilia Bartoli interpreta~«La Sonnambula» em 1994

Embora esta interpretação já tenha uns anos e já não corresponda à que Cecilia revela no seu disco «Maria», fica aqui a ária «La Sonnambula» de Bellini, que permi~te comparar a evolução da grande mezzo italiana...

Maria Malibran na voz de Cecilia Bartoli

Será o grande acontecimento da temporada de música da Fundação Gulbenkian: a apresentação do programa romântico de Cecília Bartoli de homenagem a Maria Malibran. Será a 9 de Fevereiro de 2008 e, por esta altura, já não sobrarão decerto lugares disponíveis para ocupar o Grande Auditório da Avenida de Berna.
Para anteciparmos esse espectáculo podemos ouvir «Maria», o registo fonográfico, que a grande mezzo soprano italiana acaba de publicar e em que, acompanhada por instrumentos da época e, sobretudo, pelo grande virtuoso Maxim Vengerov no violino, ela interpreta árias outrora celebradas na voz da grande diva romântica do século XIX: «Infelice» de Mendelssohn, «Casta Diva» e «La Sonnambula» de Bellini.
Mas recordemos aqui alguns dos aspectos mais interessantes da curta vida dessa cantora nascida em 24 de Março de 1808 e cujas semelhanças com Cecília são, no mínimo, singulares: ambas estrearam-se no mesmo papel (a Rosina do «Barbeiro de Sevilha»), ambas eram mezzos e oriundas de famílias ligadas ao teatro lírico: quer o pai de uma, quer o de outra eram tenores.
Se a fama de Maria Malibran chegou aos nossos dias as razões são diversas, mas a mais relevante talvez seja a de não possuirmos qualquer registo sonoro da sua voz, o que permite mitificá-la. O que sabemos dela provém de quem disse possuir uma extensão de voz de três oitavas e primar pelo contraste entre extremos do registo.
Também a sabemos de uma tremenda diversidade de talentos: além de pianista, ela tocava harpa e guitarra, compunha música, pintava e desenhava figurinos, bordava, falava várias línguas e escrevia com desenvoltura.
Artista global avant la lettre, ela só em Paris não foi incensada, devido à sua vida íntima, que incluía um casamento precoce com um banqueiro falido - Eugéne Malibran - para se libertar da tirania paterna e uma relação extraconjugal com o violinista Charles Blériot, que lhe daria o único filho sobrevivente de sucessivas e indesejadas gravidezes.
Délacroix também contribuiria para o seu insucesso em Paris ao considerá-la exagerada na forma de expor em palco as emoções das suas personagens. No ambiente romântico dos anos 30 do século XIX havia quem não simpatizasse com o estilo arrebatado das suas interpretações. Mas Itália ou a Inglaterra celebram-na de forma tão irracional, que a santificam e chegam a espalhar o mito de curas extraordinárias para quem a ouvisse em palco.
Ela morreria aos vinte e oito anos na sequência das hemorragias internas subsequentes a uma queda durante um passeio a cavalo e que não teria sido propriamente involuntária: ela estaria a tentar livrar-se de mais uma gravidez incómoda para quem sentia a carreira de cantora lírica como a via para uma vida emancipada…
Lembrando personagens de Nicholas Ray, o percurso biográfico de Maria Malibran foi a de alguém que viveu depressa e morreu a tempo de constituir um bonito cadáver. Por isso ficou o mito agora celebrado por Cecília Bartoli...

sexta-feira, outubro 05, 2007

So you want to write a fugue?

Glenn Gould não foi o genial pianista que deu a leitura definitiva das Variações Goldberg ou o homem de coragem, que se apresentou na URSS, quando os anticomunistas primários queriam proibir os artistas ocidentais de aí se deslocarem.
Aqui ele aparece a apresentar a sua bem humorada obra de como se pode compor uma fuga.
A prova de que, na sua excentricidade, ele não deixava de ser um homem com uma ironia muito peculiar...

Na evocação de Glenn Gould, 25 anos passados sobre a sua morte...

Em 4 de Outubro de 1982, na sequência de um acidente vascular cerebral, morria em Toronto esse pianista genial, que foi Glenn Gould.
Quando aí mesmo nascera, cinquenta anos antes (em 25 de Setembro de 1932), o seu nome verdadeiro era Glenn Herbert Gold. Mas, temendo os efeitos do anti-semitismo então relevante na sociedade canadiana, a família tratou de lhe mudar o apelido para aquele que ficaria como definitivo.
Como o avô era sobrinho de Edward Grieg, a aprendizagem do piano era uma opção natural para a sua educação infantil, tanto mais que se notariam desde muito cedo os efeitos de uma forma mitigada de autismo (sindroma de Asperger), que explicaria muitas das suas ulteriores excentricidades.
Tão só conclui os estudos no Conservatório de Toronto e logo começa uma bem sucedida carreira de concertista, que o levará a actuar com Karajan, Bernstein ou Yehudi Menuhin.
Em 1955 é a sua consagração, quando é editada a sua abordagem das Variações Goldberg, de Bach, na etiqueta CBS à qual seria doravante fiel.
Tratava-se de uma interpretação absolutamente genial e totalmente diferente do que se fizera até então: desprovido de legato, quase sem tocar no pedal e com uma regulação milimétrica das cordas até elas ficarem na sua máxima tensão o resultado é de um inédito dinamismo e vivacidade.
Dois anos depois ele mostrou a coragem de romper com uma ordem dos governos ocidentais anticomunistas ao fazer uma digressão pela União Soviética. Talvez isso explique o surgimento de uns medíocres detractores, que lhe apontavam como defeito o hábito de cantarolar a acompanhar-se a si mesmo ao piano ou os seus gestos interpretativos, quase se deitando sobre o teclado. Mas tratava-se de algo por ele propositadamente pretendido: a sua banqueta estava com os pés serrados para lhe propiciarem essa aproximação da cabeça com o teclado…
Mesmo quando a interpretação lhe exigia uma só mão no teclado a outra vogava no ar em gestos arrebatados, como se então, Gould se convertesse no chefe de orquestra de si próprio.
Em 1964, porém, Glenn Gould decidiu deixar de actuar em público, reservando-se tão só para as gravações de discos e para os seus programas de rádio e de televisão. Ou para a composição: o bem humorado «So you want to write a fugue» ou o «Quarteto de Cordas, op.1».
Mesmo quando o assunto das suas preocupações não era aparentemente a música, ela aparecia de forma inesperada: em reportagens radiofónicas sobre os habitantes do Norte do Canadá, os menonitas do Manitoba ou os emigrantes da Terra Nova ele inventa a rádio contrapôntica, ou seja, a justaposição de vozes em simultâneo como se se tratassem de um coro.
Felizmente para nós sobram muitas imagens das suas actuações, sobretudo as captadas pelo francês Bruno Monsaingeon, autor de um documentário de referência, datado de 1974: «Os Caminhos da Música» ou «Glenn Gould, o Alquimista».
Por isso nesta evocação sobre o seu desaparecimento é possível revê-lo nalgumas dessas imagens...

quarta-feira, outubro 03, 2007

Paolo Conte - Vieni via con me

E que desconhecimento se tem de Paolo Conte em Portugal!
Injustamente claro.
Aqui fica um modesto contributo para o tornar mais (re)conhecido...

Os 7 Andares de Dino Buzzati

«Sete Andares» foi escrito por Dino Buzzati em 1942 numa altura em que a Guerra Mundial estava a conhecer o seu momento de viragem. Ligado forçosamente a Hitler, o ditador italiano Mussolini ainda parecia extremamente forte, mas já se prefigurava a sua queda.
Na história de Giuseppe Corto, que entra voluntariamente num sanatório para se recuperar de uma fragilização evidente da sua saúde e vai descendo desde o sétimo andar até ao primeiro - o dos moribundos - sempre iludido quanto ao seu estado, existe uma evidente metáfora política.
Às vezes os mais conscientes acreditam na necessidade de dar a provar o veneno aos cidadãos como forma de os vacinar do perigo da sua aplicação total. A experiência mostra que esse é o caminho mais óbvio para a implantação de uma das muitas variantes de fascismo.
Quer Hitler, quer Mussolini ganharam eleições pseudo-democráticas. Os fundamentalistas islâmicos chegaram ao poder nalguns países em revoluções entusiasticamente saudadas por comunistas e socialistas, logo fadados a serem encerrados em prisões. O Irão é apenas um exemplo disso mesmo: quem se congratulou com o derrube do Xá acabou por tombar diante de pelotões de fuzilamento de Guardas da Revolução.
Mas essa lição tarda em ser assimilada: houve quem no Ocidente criticasse o exército argelino por impedir o acesso dos fanáticos islâmicos ao poder depois de eleições consideradas legítimas, esquecendo que essa teria sido a última oportunidade para o eleitorado se confrontar com diversas opções…
A capacidade do ser humano em se deixar iludir é inesgotável. E esse é o drama de Giuseppe: a partir do momento em que, de livre vontade, decide entrar no sanatório a sua condenação é inapelável. Porque naquela engrenagem terrível não há hipótese de redenção: apesar de continuar a acreditar no regresso aos andares superiores, o protagonista não se interroga pelo facto de nunca encontrar quem conseguira essa proeza. A partir do momento em que se entra no sétimo andar a queda até ao primeiro resume-se a uma questão de tempo...

segunda-feira, outubro 01, 2007

Anton Tchekhov: O Beijo

Já tanto mudou quanto aos hábitos amorosos dos ocidentais. Há século e meio a importância
de um beijo era tão determinante, que ele está no centro do conto de Anton Tchekhov. Quem
o vive é um jovem oficial de cavalaria do exército russo que, acampado na aldeia de Mestétchki,
fora um dos convidados para o serão em casa do rico proprietário Van Rabbeck.
Acontece que um engano o leva a uma sala imersa na escuridão onde é confundido com o clandestino amante de uma das jovens senhoras presentes e é objecto de furtivo beijo.
Aquela sensação muito breve deixa-o embevecido: qual das senhoras presentes teria sido a autora de tal gesto carinhoso? A pergunta torna-se numa obsessão. Tanto mais que, a exemplo
dos outros oficiais envolvidos nessa campanha ele tem pressa em constituir família, em aceder
ao estatuto e aos prazeres inerentes à condição de casado.
É por isso com uma secreta inquietação que ele regressa à mesma aldeia, esperando ver-se de
novo convidado pelo mesmo proprietário: terá então a oportunidade de esclarecer a identidade
da dona daqueles lábios e quiçá avançar para algo de mais consistente.
Mas, impaciente, ele desespera pela demora na chegada do emissário de tal convite e embrenha-
se na floresta: quando regressa ao seu acampamento já os colegas partiram para o tal serão. O emissário chegara enquanto ele se ausentara. E a maturidade advém-lhe desse fracasso: ele
acaba por se deitar, desistindo dos planos alimentados durante longas semanas...
Estamos, pois, num tempo de grandes pudores, quando a relação entre homens e mulheres obedecia a férreos condicionalismos… Como só subsistem em sociedades retrógradas nos nossos
dias…
A importância de um beijo foi, entretanto, bastante desvalorizada por esta sociedade em que
a sexualidade quase se banalizou por efeito da publicidade e dos mass media.

Garden Quartet - Rameau: Danse du Grand Calumet de la Paix

No Dia Internacional da Música escolho este tema de Jean Philippe Rameau, embora preferisse a interpretação vista há uns anos na saudosa Festa da Música...

domingo, setembro 30, 2007

jacques brel - les bonbons 67

Ao rever um documentário sobre Brel, surgiu este memorável tema sobre um homem despeitado depois de abandonado pela sua namorada.
Porque será que a «dor de corno» aguça a ridícula jactância dos que nada entendem do porquê de se verem rejeitados?

sábado, setembro 29, 2007

Jaime Rocha: «A Mulher que Aprendeu a Chorar»

Terá a mulher sem um braço apertado mesmo o gatilho e assassinado Carlos? Ou tratar-se-á de um processo de cura psicanalítico em que um casal se predispõe a curar a ferida entre ambos surgida e só superável mediante a aprendizagem do choro por parte dela?
O conto não é completamente esclarecedor a tal respeito, embora o que verdadeiramente estará em causa será a capacidade de nos acreditarmos ou não amados pelo outro, aquele a quem se torna mais prático «matar» por medo de sermos por ele próprio assassinados no nosso íntimo, na nossa identidade.
É a questão da auto-estima, do medo da rejeição. E caberá, então, questionar se a mulher em causa teria mesmo um braço a menos ou se essa deficiência mais não é do que a simbólica expurgação de uma parte de si…
O conto de Jaime Rocha lança todas essas pistas sem nenhuma delas conduzir a um fim clarificador.
Resta a capacidade de a mulher ter, enfim, começado a chorar. E com ela a curar-se do mal em si antes identificado…

sexta-feira, setembro 28, 2007

~Milan Kundera: «A mamã»

Que falta de sentido de oportunidade teve a mãe de Karel, quando decidiu passar uns dias em casa do filho e da nora noutra cidade situada na extremidade oposta do país. Sobretudo, quando será suposto regressar no sábado e se decide a prolongar a estadia até segunda-feira.
Ora, Karel e Markéta recebem nesse domingo uma amiga, Eva, com quem costumam concretizar os fantasmas eróticos, que os agitam: o adultério, o lesbianismo, a simples sedução de um corpo distinto do conjugalmente convencionado…
Mas qualquer deles já está saturado desses jogos, encetados há já uns anos. E vêm ao de cima outras tentações: em Karel o do corpo de Nora, uma mulher mais velha, cuja recordação resgata da infância com uma força, que não se deixa diluir mesmo após a saber agora velha e cega…
Marketa constata em si o sofrimento de saber Karel incapaz de resistir à tentação da infidelidade com outras mulheres de cuja existência se limita a suspeitar e sente crescer em si o desejo de libertação quanto a uma relação cada vez mais contraditória entre esse sofrimento e o amor ainda persistente por ele.
Eva, por seu lado, sente o prazer da perversão em que assume papel central, mas já perspectiva outra forma de triângulo: o que terá por vértices ela, o seu próprio marido e Marketa, excluindo assim Karel.
Quem acaba por se sentir mais satisfeito com o fim-de-semana é Karel: ele “sabe muito bem que em mil ou três mil actos de amor (quantas vezes fez amor ao longo da vida?) só dois ou três permanecem verdadeiramente essenciais e inesquecíveis, enquanto os outros não passam de rodeios, imitações, repetições ou evocações. E Karel sabe que o amor de ontem é um desses dois ou três grandes actos de amor, e sente uma imensa gratidão.”
Este conto inserido em «O Livro do Riso e do Esquecimento» insere-se naqueles textos do autor checo em que os impasses do quotidiano vivido em regime de partido único encontram alguma catarse numa libertinagem clandestina e insatisfatória.

quarta-feira, setembro 26, 2007

«A Dália Negra» de Brian de Palma

Confesso que entre as minhas antipatias de estimação está o escritor norte americano James Ellroy: a sua misoginia e filiação numa perspectiva musculada da política norte-americana colocam-no nos antípodas das minhas próprias opiniões ideológicas.
A história do homicídio da sua mãe, essa Elizabeth Short, que haveria de protagonizar os títulos dos principais jornais de Novembro de 1946, também só me interessa no contexto de um pós-guerra, a coincidir com o início dos famosos «trinta anos gloriosos» de que significava um contraponto.
Estavam os norte-americanos lançados num percurso politico e social, que a todos projectaria para o tal sonho de sucesso, quando a morte desta actriz fracassada vinha desmentir os tais finais felizes.
Se Elizabeth falhara a sua candidatura a uma carreira cinematográfica e acabara grotescamente desfigurada num descampado da cidade dos anjos, também muitos dos que se deixavam perturbar pela história poderiam partir os dentes perante uma aceleração dos processos capitalistas de produção da riqueza sem sequer se conseguir culpar quem quer que fosse por tal vilania.
Mas De Palma não segue essa via: escusando-se a uma mensagem política, seja a de Ellroy, seja a contrária, ele aposta o interesse do filme na abordagem de uma tese verosímil para a morte de Elizabeth. Nesse sentido, o filme só pretende constituir um entretenimento bem construído em torno da intriga policial e do carácter obsessivo da investigação para um dos detectives, que sucumbirá nessa busca da solução.
Há, contudo, um interesse acrescido no filme: uma filiação na representação, que o pintor Edward Hopper construiu a propósito do seu tempo e do seu espaço circundante. A fotografia do filme, em muitos dos seus fotogramas, quase reproduzem o universo desse emblemático pintor da primeira metade do século XX.
Quanto ao desiderato do enigma trata-se de uma tese como qualquer outra. Passados seis décadas já, há muito, terão desaparecido os que terão sabido o que se passou naquela noite de 1946. A exemplo de outros mitos - como os das mortes de Marilyn ou de John Kennedy - a morte da Dália Negra contribui para uma mitologia identitária do próprio tecido cultural norte-americano, que tão escasseado anda deles.
Num país com História ainda tão escassa tem alguma relevância a criação dos seus próprios ícones para superar aquela que foi uma inesquecível sensação de falso, quando penetrei na Catedral de St. Patrick na 5ª Avenida de Nova Iorque: o edifício tinha a forma de Catedral com algo de barroco no seu estilo. Mas aquelas pedras, com apenas dois séculos, se tanto, não tinham a patine dos tempos dos construtores das catedrais europeias...

Gershwin - Rhapsody in Blue pt.2/2

Ao continuarmos a ouvir a interpretação do tema de Gershwin por Leonard Bernstein podemos sempre recordar a velha história do encontro do compositor com Ravel, quando este passara uma temporada nos EUA.
- Mestre, como poderie vir a ser um Ravel? - questionava Gershwin?
E respondia-lhe o autor do «Bolero»:
- Para que quer ser um Ravel, quando já é um Gershwin?

Gershwin - Rhapsody in Blue pt.1/2

Neste 26 de Setembro há que recordar George Gershwin, que nasceu há 109 anos em Nova Iorque.
Se o descobri verdadeiramente através de Woody Allen («Manhattan»), nunca mais deixei de apreciar esta sábia mistura entre os sons de uma herança musical clássica e um jazz então em clara afirmação...
Se não tivesse morrido tão cedo quantas mais obras primas nos teria deixado?

terça-feira, setembro 25, 2007

«Ubik»: um surpreendente romance de Philip K, Dick

Joe Chip chega a Des Moines em 1939, quando a Segunda Guerra Mundial está no início. E vai encontrar aí os colegas com quem vivera a explosão em Luna, pela qual o tenebroso Ray Hollis terá colocado fora de serviço a maioria dos Inerciais da Sociedade de Prudência de Glen Runciter.
Recuados no tempo quase sessenta anos, os sobreviventes de tal atentado andam desnorteados a ver alguns deles definharem até se reduzirem a cinzas e sem saberem qual a melhor estratégia reactiva. Pretenderiam regressar ao seu presente, aquele distante 1992 em que combatiam telepatas e precogos apostados em se infiltrarem em organizações com propósitos ilícitos. Um tempo, também, em que tudo se paga, até o simples pedido para abertura da porta do apartamento obrigava ao pagamento de uma moeda numa ranhura.
E existe um elixir, que pode ter algum efeito na contenção dessa imparável regressão do tempo: é Ubik, o mesmo termo que aparece, transversalmente, nas várias épocas como sinónimo de vários produtos de consumo comum. E que dá nome a este título de Philip K. Dick, publicado em 1969.
Um livro estranho e imaginativo que, com uma ou outra incongruência, até vence a prova do tempo…
O maior contratempo para os protagonistas é a morte de Glen Runciter, esse líder que a todos orientava com a ajuda das opiniões da mulher, Ella, cuja morte precoce não impedia a sua intervenção a partir do seu limbo criogénico em que é mantida num Moratório suíço.
Mas a história complica-se, quando Joe Chip vai encontrando mensagens de Glen Runciter a inverter as evidências mais óbvias: ele estaria vivo e seria todo o grupo de Inerciais quem estaria morto e conservado em gelo no mesmo Moratório em que está, igualmente, Ella Runciter.
Há também Pat, a jovem inercial de grande talento, contratada pela Glen Runciter Associates para impulsionar a luta contra precogos e telepatas, mas com provável influência em tudo quanto doravante iria ocorrer.
A sessenta páginas do final do livro não se faz qualquer ideia de como Dick irá desatar os muitos nós semeados pela sua narrativa. A essa distância o leitor sente-se tão perdido no fio da história como esse Joe Chip, esse líder improvável da Glen Runciter Associates, que não consegue ver para ele um caminho de saída, quanto mais transmiti-lo aos demais.
Então sucede-se um conjunto de revelações, que clarificam tudo: Joe está, de facto, no Moratório de Zurique depois do atentado, que vitimara todos os colegas. Mas ali não é Hollis a sua maior preocupação, nem essa Pat, que era dele uma agente infiltrada. O maior desafio é resistir a um jovem adolescente, igualmente no limbo criogénico, e disposto a nele se manter alimentando-se vampiricamente do que dos vizinhos resta. Daí a intervenção exterior do seu patrão a dar-lhe as vias para essa periclitante salvação...

Colum McCann

Colum McCann é um escritor irlandês, nascido em 1965, que está a afirmar-se como um dos principais autores deste tempo ao assumir a lógica global dos seus interesses e falando sobre eles.
Numa entrevista ao programa francês «Metropolis» (do canal ARTE) ele assume a estratégia de escolher como temas o que não conhece.
A Literatura é para ele uma forma de descoberta.
No único livro seu editado entre nós - «O Bailarino» - ele fora à procura da personalidade de Rudolf Nureyev, abordando-a desde a infância nos campos russos e os primeiros anos da sua carreira de bailarino na antiga URSS até ao seu exílio ocidental, aonde a genialidade do seu talento se afirmaria em paralelo com uma existência de excessos a nível de afectos.
Agora está a enfatizar-se em França o lançamento do seu romance mais recente - «Zoli» - dedicado a uma poetisa cigana através de quem ele aborda uma cultura ostracizada numa Europa às avessas com os valores e os costumes desse povo espalhado um pouco por todo o continente, mas aqui considerado nos que vivem na Eslováquia, na Itália, na Áustria e em França.
Para criar este livro o escritor viveu alguns meses com ciganos a fim de melhor os conhecer, entrando assim no universo singular da poetisa, que lhe serve de fonte de inspiração.
No fundo ele leva até às últimas consequências o seu projecto de vida, assente na máxima «Sinto-me bem, quando estou em terras estranhas».
Num contexto em que os estímulos visuais tendem a limitar o consumo de literatura, Colum McCann está a explorar uma via interessante, que é a de compartilhar com os seus leitores os resultados das suas próprias descobertas.

domingo, setembro 23, 2007

Alice.e Franco.Battiato.-.I.treni.di.Tozeur

Em 1984 Alice e Franco Battiato apareceram no Festival da Eurovisão com este belíssimo tema.
Porque o filme do Nanni Moretti hoje dado na RTP2 mo recordou vim procurá-lo para o pôr no Blog.
Como sinónimo do que a música ligeira italiana consegue ser nos seus melhores momentos...

«O Livro do Riso e do Esquecimento»: As Cartas Perdidas

Ao iniciar a leitura deste livro de Milan Kundera a dúvida que me assiste é esta: ainda fará sentido ler um romance tão datado, porque em clara sintonia com um tempo e um espaço já completamente alterados?
Em 1978, quando ele surgiu, ainda parecia impossível que o antigo Bloco de Leste caísse com tal fragor, onze anos depois.
Para a intelectualidade ocidental fazia sentido questionar o totalitarismo pretensamente comunista ao mesmo tempo que se procurava a forma de o fazer sem uma conotação imediata com o anticomunismo primário inerente aos sectores mais retrógrados do pensamento ocidental…
Kundera era estimulante, porque a forma como contestava o regime checo não era maniqueísta, nem apelava a um totalitarismo de sinal contrário. No regime de Praga ele denunciava a mediocridade de quem se dissociara dos melhores elementos, calados à força de uma repressão violentíssima, que tivera na invasão russa de 1968 o seu clímax. Se o novo regime nascera sob os melhores auspícios e motivado pelos mais generosos ideais, depressa eles se tinham pervertido em nome de uma segurança do Estado definida por um pequeno punhado de dirigentes.
Em «As Cartas Perdidas», primeira das sete partes em que se divide o livro de Kundera, o protagonista, Mirek fora um conceituado cientista a quem o arrivismo condenara à condição de operário da construção civil.
Em vésperas de ter a casa devassada para lhe confiscarem papéis comprometedores, ele procura Zdena noutra cidade: muitos anos atrás amara-a apesar de todos reconhecerem-na como feíssima. E agora quer dela reaver a centena de cartas amorosas, que lhe escrevera com a paixão dos seus vinte anos.
Mas ela, que singrara na carreira política e se tornara numa das principais dirigentes do Partido, nega-lhe esse desejo: essas cartas jamais lhe voltarão a pousar nas mãos...

sexta-feira, setembro 21, 2007

«O pintor e a bailarina»: filme de Valeri Solomin

Não é nada fácil a vida nas margens do Lago Baikal. Pelo menos se nos ativermos na vida de uma família de meteorologistas colocada na ilha de Olchon, espaço sublime em termos de beleza, mas severo quanto às condições de temperatura e de ventania a que ela se sujeita.
Por isso Natália deprime: como o combustível não é pago pela Administração, as horas com electricidade são escassas, obrigando-a a uma contemplação entediada do estado a que chegou a sua vida. O desejo de ser bailarina é uma mera recordação e, se já lhe bastaria, que Youri a abraçasse e a rodopiasse ao som da música por ela trazida para aqueles confins, tem de reconhecer nele a falta de vontade para o fazer.
Por isso fala de divórcio, de vontade de dali se escapar para a cidade.
Irá por diante com esse projecto? Não o sabemos. Mas a teimosia de Youri em ali ficar prenuncia um epílogo definitivo para uma relação, que conheceu decerto melhores dias...

domingo, setembro 16, 2007

Maria Callas -- Habanera (1962)

No dia em que passam trinta anos sobre a sua morte, é oportuno rever Maria Callas nesta interpretação de uma das mais famosas árias da «Carmen».

«MAGNOLIA» de Paul Thomas Anderson

É um regresso a um filme de 1999, que muito me agradou na época.
Estava, por exemplo, esquecido do início, quando diversas coincidências levam a pensar que elas não ocorrem apenas nos livros de Paul Auster: o operador de casino e mergulhador nas horas livres, que acaba na copa de uma árvore, depois de retirado das profundezas pelo avião de combate ao fogo reabastecida no lago adjacente e pilotada pelo jogador com quem se indispusera na antevéspera. Ou o suicida, que acaba assassinado pela própria mãe, quando esta dispara contra o marido numa discussão em que utiliza a espingarda por ele carregada…
Depois há toda aquela gente infeliz: Julianne Moore é Linda Partridge, a desorientada esposa de um moribundo (Jason Robards)remetido a uma cama de hospital; William H. Macy é Donnie Smith, que ainda vive do seu prestigio enquanto criança maravilha dos concursos televisivos e, hoje, incapaz de segurar um emprego ou de agarrar um amante; John C. Reilly é Jim Kurring, o polícia solitário, que ambiciona fazer algo de bom em cada dia, embora saiba quão difíceis são as cenas de vida com que se depara, quando o enviam a alguma morada específica; Tom Cruise é Frank Mackey, o misógino, que ganha a vida em conferências para solteiros a contas com vidas afectivas miseráveis e a quem ensina a destratar as potenciais parceiras; Philip Baker Hall é o apresentador de televisão, a quem a notícia de um cancro convence a procurar a filha perdida nos meandros da cidade; Philip Seymour Hoffman é o enfermeiro, que engana a solidão com o consumo obsessivo de revistas eróticas.
Depois, há tantos outros personagens, que vão cruzando os anteriores e em quem se pressente o mesmo desespero, a mesma tensão…
É claro que o filme é sobre a redenção: cada um irá encontrar as vias para sair do seu estado de perturbação actual e partir para novos projectos de vida, para outros equilíbrios.
Passados estes sete anos sobre a primeira visão, esta revisitação do filme está a significar a recorrência da satisfação de então...

Léo Ferré - La Solitude

A solidão segundo Ferré expressa a distância face aos outros, os conformados com o tipo de sociedade em que vivemos.
Ao contrário de Valéry, para o qual um homem só estava sempre mal acompanhado, Ferré faz da solidão um estado criativo...

11'09"01 - um filme sobre o 11 de Setembro (1)

Era um projecto de Alain Brigand: a abordagem do atentado de 11 de Setembro através da visão distinta de onze cineastas de outras tantas cinematografias mundiais.
O resultado ficou aquém das expectativas, reiterando um princípio fundamental da matemática: nem sempre a soma das partes é igual ou acima de um todo. Aqui o resultado fica aquém do talento de tanta gente interessante.
No primeiro sketch a iraniana Samira Makhmalbaf volta aos refugiados afegãos, que vêm habitando a sua cinematografia, e põe uma jovem professora perante uma plateia de alunos muito jovens, incapazes de perceberem a dimensão global da tragédia de Nova Iorque. Para essas crianças é muito mais palpável a história dos dois homens tombados num poço ou a da tia de uma delas, morta à pedrada na sua aldeia.
No episódio da autoria de Claude Lelouch temos uma fotógrafa muda em vias de perder os encantos do seu amante nova-iorquino, até ocorrer o milagre por ela almejado: ele regressa a casa coberto das cinzas resultantes do desmoronamento de uma das Torres Gémeas aonde iria exercer nessa manhã mesmo o seu mister de guia turístico. E está prometido um recomeço afectivo…
O egípcio Youssef Chahine é assombrado pelo fantasma de um fuzileiro norte-americano vitimado por um atentado em Beirute em 1983. E resulta dessa convivência a demonstração das origens de todos os actos de terrorismo: a atitude imperialista dos norte-americanos…
O episódio bósnio, realizado por Danis Tanovic é dos mais desconcertantes, embora isso não corresponda a uma qualidade. Há um rapaz em cadeira de rodas, que arranja produtos de cosmética para a jovem Selma, depois apresentada como activista da Associação de Mulheres de Srebrenica e principal impulsionadora de uma manifestação de apoio às vítimas do atentado…
Já o pequeno filme de Idrissa Ouedraogo, do Burkina Faso, tem uma consistência muito interessante: a mãe de Adama está tão doente (Sida, provavelmente) e ele desespera em arranjar dinheiro para os medicamentos.
Quando encontra Osama Bin Laden a passear-se pelas ruas de Ouagadougou a perspectiva da recompensa norte-americana de 25 milhões de dólares afigura-se-lhe como solução milagrosa. Mas inacessível, porque o líder da Al Qaeda, ou um sósia seu, acaba por sair da cidade sem lhe dar a hipótese da captura...

terça-feira, setembro 11, 2007

Uma manipulação que enoja

Porque hoje é 11 de Setembro as televisões apresentam muitos documentários de origem norte-americana quase todos seguindo a mesma tónica: a da vitimização de que morreu nesse dia, a do heroísmo dos bombeiros novaiorquinos ou dos passageiros do avião tombado na Pensilvânia e a da diabolização dos inimigos terroristas.
A mentalidade maniqueísta dos filhos do tio Sam pode aceitar passivamente essa abordagem, mas para quem racionaliza o que vê procurando entender outras linhas de força possíveis de se detectarem na sua génese, esse tipo de discurso enoja. Porque serão mais importantes as vidas desfeitas das três mil vítimas do atentado às Torres Gémeas do que as de igual número de jovens soldados, que a estupidez de George W. Bush fez morrer no Iraque?
Serão essas oito mil vidas do que as dezenas de milhar de vítimas da invasão e da ocupação do Iraque pelas tropas comandadas pelo Pentágono?
Acaba por ser um ultraje a ostentação desse discurso de vítimas, quando ele apenas disfarça a manipulação legitimadora da acção política de uma Administração, que mereceria acompanhar os Karadzics e os Mladics dos Balcãs no julgamento por crimes de guerra no Tribunal Internacional.
O que se passou no dia 11 de Setembro de 2001 em Manhattan tem a sua génese muito atrás, quando a vitória da Guerra Fria justificava tudo, até apoiar com dinheiro e armas os militantes islâmicos, apostados em expulsar os militares soviéticos do Afeganistão.
Nenhuma agência estatal norte-americana consegue negar a ligação de Osama Bin Laden à CIA, nem o apoio político e militar aos regimes sauditas e paquistanês, responsáveis pelo financiamento da Al Qaeda e de milhentas madrassas aonde se vão preparando os fanáticos amanhã responsáveis por mais mediáticos atentados terroristas.
Embora abundem muitas teorias da conspiração em relação aos atentados de 11 de Setembro, a pergunta sacramental de Hercule Poirot às suas conhecidas célulazinhas cinzentas não deixa de suscitar algumas perplexidades. Porque entre os negócios da Halliburton e de toda a indústria militar norte-americana - responsável por tantos milhares de empregos em diversos Estados da União - passando pelas agências de recrutamento de mercenários, há muita gente a esfregar as mãos de contente por a Casa Branca ter embarcado tão lesta na história das armas de destruição maciça ou nas ligações de Saddam Hussein com o terrorismo.
A 11 de Setembro não seria mal pensado ver o outro lado da História: o que vitimou tanta gente anónima em função dos interesses particulares da clique da Casa Branca...

domingo, setembro 09, 2007

Goran Bregovic e a Orquestra de Casamentos e Funerais

Terá sido um crime, cujos verdadeiros responsáveis a História se encarregará de descortinar para juntar aos Milosevic, aos Karadzic ou aos Tujmans: quem fomentou a destruição da Jugoslávia? Foi Helmut Kohl? Foi a CIA, que ali via possível ganhar a batal~ha final da Guerra Fria?
E que papel terá tido o Vaticano, tão lesto a reconhecer uma Croácia muito lesta a anunciar a sua segregação do grande país do seu conterrâneo Tito?
A Orquestra de Casamentos e Funerais de Goran Bregovic simboliza o que foi o grande país balcânico, que tanto me sugestinou pela positiva, quando o visitei nos anos 80.
Parecia o país encantado da alegria de viver e, no entanto ... foi a tragédia absurda, que se pode ainda recordar.
Resta o abcesso Kosovo por resolver, mas fica sobretudo a esperança de ver os Balcãs regressar à alegria destes sons...

sábado, setembro 08, 2007

Recordar Luciano Pavarotti

De entre os muitos clips possíveis, escolho este como o da minha predilecção, para evocar o grande tenor desaparecido esta semana...

As Múmias do Vale Dourado

No Verão de 1999, por mero acaso, um habitante do oásis de Bahariya descobriu uma imensa necrópole da época greco-romana.
Como acontece, quando se anuncia uma nova descoberta arqueológica no país dos faraós, logo o conhecido Zahi Hawass se dirigiu para esse recôndito lugarejo a 335 quilómetros do Cairo. Para deparar com dez mil múmias arrumadas em sarcófagos policromáticos.
O evento veio demonstrar como a egiptologia está longe de estar esgotada nas suas principais descobertas: saindo das margens do Nilo, aonde outrora se haviam disseminado as urbes mais desenvolvidas, mas também onde mais facilitado se revelara a actividade dos ladrões de túmulos, existe todo um espaço coberto pelas areias do deserto aonde poderão deparar-se com palácios e túmulos faustosos… com tesouros inesperados.
Há especialistas que vêem nos oásis do deserto líbio os pontos de passagem de caravanas de outros tempos, por onde transitavam ouro, marfim, peles e outras mercadorias preciosas. Que alimentavam um pujante mercado negro cujo controle escapava aos faraós ou aos governadores romanos, que lhes sucederiam…
A descoberta de tais vestígios do passado pode decorrer do acaso, como sucedeu com a necrópole de Baharya, ou pelo facto de se acentuar a erosão nas colinas e montanhas de areia responsáveis pela sua ocultação, deixando-as a descoberto.
A verdade é que, graças ao arsenal tecnológico hoje disponível para analisar os tecidos das múmias, é possível ir muito mais além no conhecimento do estilo de vida desses distantes antepassados. Saber o que comiam, quais as doenças de que padeciam, quanto tempo de vida duravam: é uma questão de imaginação formular tantas hipótese de investigação a que estas múmias acabarão por dar resposta…
Para os escritores, para os cineastas e outros criativos, que utilizarão os dados coligidos por arqueólogos e historiadores, haverá mais matéria para se aproximarem do que, na realidade, era o Egipto do tempo dos faraós...




domingo, setembro 02, 2007

Um folhetim que tarda em acabar...

Na edição de 1 de Setembro de 2007, o «Público» volta a dar voz à Drª Dalila Rodrigues para, em página inteira, retomar os seus já conhecidos argumentos a respeito da política cultural do actual Governo para os museus portugueses.
Depois de Vasco Pulido Valente ter sido tão frontal na forma como considerou justificada a sua não renovação da comissão de serviço à frente do Museu Nacional de Arte Antiga, corroborada por posição similar do Dr. Pacheco Pereira no Blog «Abrupto», e sem contar com a esclarecedora missiva do Dr. Luís Raposo a respeito dos indicadores de desempenho dos principais museus de Lisboa, julgariamos que as opções editoriais do jornal catalogassem de não notícia esta tentativa de ressuscitar o que já está morto e enterrado.
Não é, porém, assim! E lá nos deparamos com os queixumes de quem não entende que a definição das políticas cabe a quem foi eleito para tal e, goste ou não goste, delas caber-lhe-ia como Directora de um Museu tutelado pelo Estado, cumprir essas orientações.
Ao prestar-se ao Carnaval mediático, que meteu mini-manifestações e mini-comícios, a Drª Dalila Rodrigues demonstrou sobejas qualidades para se promover num, razoavelmente bem sucedido, marketing pessoal, mas violou flagrantemente o Código do Trabalho.
Em qualquer empresa privada um director que se insurgisse contra as orientações do Conselho de Administração não conheceria outro destino que não fosse o do Dr. Paulo Teixeira Pinto à frente do BCP. O que ela não se privou de fazer durante meses a fio e em sucessivas ocasiões foi a contestação à tutela a quem deveria sempre lealdade e acatamento de orientações.
Se tivesse a verticalidade do ex-presidente da Comissão Executiva do referido Banco, a Drª Dalila Rodrigues ter-se-ia demitido, ganhando então legitimidade para contestar, de fora, o que em seu entender está a constituir uma política errada. Não foi essa a sua opção: pelos vistos pretendia manter o seu prestigiado lugar e cultivar a sua imagem pessoal numa contínua acção de sabotagem.
A decisão do Governo é, pois, lógica e não poderia tomar outra configuração. A não ser na cabeça da visada e dos seus reduzidos apoiantes...
Mas, neste enquadramento, porque se insiste em querer transformar num escândalo o que não é senão um mero «fait divers» no seio de uma organização, apenas pelo facto dele ocorrer no sector público?
É tempo de a Drª Dalila Rodrigues regressar ao anonimato donde nunca mereceria ter saído...

terça-feira, agosto 28, 2007

Weeds Theme song

Ademais a série tem no genérico uma canção, que tanto apreciámos nas vozes de Victor Jara e de Pete Seeger...

«ERVA»: UMA SÉRIE ACIMA DAS MELHORES EXPECTATIVAS...

Os episódios sucedem-se, semana após semana, e a série não dá sinais da habitual degenerescência, que cedo ou tarde se apossa das concorrentes.
Até mesmo com os «Sopranos» ou com os «Sete Palmos de Terra» se acabava por ter aquela sensação de estar esgotada a novidade inerente à ideia de base da série e surgirem episódios só para cumprir calendário, tornando redundante o que para trás fora ficando.
Com «Erva» isso ainda não ocorreu: continua a despertar-nos o interesse essa luta quotidiana de Nancy pela sobrevivência da família, mantendo o estatuto de classe média mediante o seu ofício de traficante de droga. Espreitando ao mesmo tempo para os demais personagens, muito distantes das ideias estereotipadas utilizadas pelos argumentistas para rodear os seus protagonistas. Sem esquecer de atirar umas alfinetadas certeiras na clique de Bush: num dos episódios de hoje, por exemplo, recorda-se, para quem o esqueceu, o incidente pelo qual Dick Cheney alvejou um amigo a tiro…
Já começa a ser uma curiosidade pessoal a de aferir até onde conseguirá chegar a imaginação dos criadores da série...

domingo, agosto 26, 2007

Indochine- J´ai demandé a la lune

O rock francês de hoje é-nos quase desconhecido. Mas aqui fica um bom e memorável exemplo de como é imerecida essa quase indiferença...

sábado, agosto 25, 2007

Folia || SIC Jornal da Noite || Teatro TapaFuros

Na Quinta da Regaleira a noite foi de folia. Propôs-se a redenção dos pecados, o ressurgimento da lusitanidade sob a égide de Agostinho da Silva, mas também sob inspiração de Camões, de Fernando Pessoa, do Padre António Vieira e até de Gil Vicente.
Ideologicamente ambíguo, mas agradável enquanto entretenimento para uma cálida noite de Verão...

quinta-feira, agosto 23, 2007

Terrorismo, Milho Transgénico e Jornalismo de Sarjeta

Vai por aí uma intensa campanha mediática contra os jovens, que julgavam estar a protagonizar uma acção de sensibilização da opinião pública contra os perigos do milho transgénico e acabaram por ser apodados de terroristas, de violadores da sacrossanta propriedade privada.
O que espanta na forma como a generalidade dos jornais e das televisões trataram do assunto foi a incapacidade para se distanciarem do tratamento mais óbvio - o da condenação do acto como algo de disparatado - e aproveitarem para evocar algumas das cautelas tomadas em meios científicos conceituados quanto ao custo-benefício deste tipo de produção agrícola.
A opção por más práticas agrícolas já deu grandes manchetes de jornais: quem já esqueceu o problema da Encefalopatia Espongiforme Bovina, que ainda vai causando algumas mortes, inclusive no nosso país?
E, no entanto, as rações com produtos provenientes de cadáveres de animais até era suposto vir a acarretar melhor produtividade nas explorações agrícolas, não era?
Ou, pegando noutro exemplo, quando a antiga URSS decidiu produzir toneladas de algodão nas margens do Mar de Aral, o objectivo era ultrapassar os propagandeados planos quinquenais: o sucesso dos povos soviéticos estava dependente de sempre maiores produções industriais e agrícolas. O resultado é conhecido: um crime ecológico, que reduziu esse Mar interior a uma pálida sombra do que fora e a miséria das populações, que sempre tinham vivido do peixe nele pescado.
Estes dois exemplos de como objectivos de produtividade dão lugar a lamentáveis tragédias humanas aconselhariam prudência no recurso a novas experiências inovadoras. Sobretudo, quando elas derivam da avidez de lucros de uma multinacional norte-americana - a Monsanto - que se tem distinguido por formas muito pouco escrupulosas de se impor no mercado a nível mundial. Mais do que nunca importaria aguardar por mais rigorosos testes científicos para depreender as consequências dos Organismos Geneticamente Modificados na saúde das populações, que os venham a consumir, e no equilíbrio ecológico das espécies usualmente presentes no habitat por eles alterado.
O cinismo com que esta questão foi tratada nos media está, igualmente, bem demonstrado na apresentação do proprietário da quinta vandalizada como um pobre coitado, que vive da sua produção para alimentar a família. Ora, lê-se nos jornais, que ele ficou sem 1 hectare de uma seara de 51. Ou seja, ele tem uma produção expectável de cerca de 200 mil euros, dos quais ficou sem perto de quatro mil. Ora, numa análise de risco, a perda de menos de 2% de uma produção não é algo de perfeitamente enquadrável numa expectativa bastante favorável?
É triste constatar a justeza do ministro Santos Silva, quando dizia há algumas semanas, que se produz um jornalismo de sarjeta em Portugal.
Este triste episódio tende a dar-lhe razão...

quarta-feira, agosto 22, 2007

Jacek Laszczkowski - Amarilli, mia bella

Eram vozes celestiais, as dos castrati. Conseguidas á custa de terrível sacrifício...
Um século depois da morte do último desses infelizes, os contratenores dão-nos uma ideia do que resultava, em emoção, dessa sonoridade de excelência. À custa de uma grande dedicação a uma técnica de canto com grandes apreciadores...

Na herança dos castrati

Jacek Laszczkowski estudou clarinete na Faculdade de Música de Bialystok (Polónia) antes de começar os seus estudos de canto na Faculdade de Música Frederic Chopin, em Varsóvia, após os quais se aperfeiçoou na Academia Rossini de Pesaro. Paralelamente à sua aprendizagem, estreou-se como Ernesto (Don Pasquale), em Viena e Belmonte e em O Rapto do Serralho, na Ópera de Câmara de Varsóvia. Em 1991 ganhou o Concurso Internacional de Canto de Vercelli, dedicado a Rossini.
Jacek Laszczkowski começou então a ser convidado para os grandes palcos da Europa, participando na produção de Ermione (Rossini) no Queen Elizabeth Hall. Cantou em Semiramide (Rossini), no Festival de Ópera de Pesaro, sob a direcção de Roger Norrington; Caritea, Regina di Spagna (Mercadante), no Festival della Valle d'Itria, em Itália; Le Jouer (Prokofiev) no Scala de Milão, entre outras óperas.Jacek Laszczkowski apresenta-se regularmente em concertos por toda a Europa e participou em diversas emissões televisivas e radiofónicas, bem como em gravações discográficas. Em 1998 fez a sua grande estreia em França, em Catone in Uttica de Vivaldi, sob a direcção de Jean-Claude Malgoire, com quem gravou um disco de árias de castrados (Vivaldi, Hasse, Händel) para a Astrée-Auvidis.
Na temporada de 1999-2000, Jacek Laszczkowski interpretou o papel de Eumète (Il ritorno de Ulisse in patria) e Nerone (L'Incoronazione di Poppea). Foi convidado por Michel Plasson para integrar o naipe de solistas de Carmina Burana, com a Orquestra Nacional do Capitólio de Toulouse. Na temporada de 2000-2001, interpretou L'Incoronazione di Poppea no Thêàtre de Champs-Elysées e Cattone in Uttica na Ópera Cómica de Paris, com Jean-Claude Malgoire. Voltou a interpretar Carmina Burana, com a Orquestra de Colónia, na Salle Pleyel. Foi então convidado por Eve Ruggieri para dois concertos no Festival de Antibes (Il Viaggio de Rossini e um concerto de árias de ópera para tenor e contratenor), um concerto dedicado a Bernstein no Festival de Cagnes-sur-mer (em duo com Julia Migenes) e um concerto no Festival de Chartres, com Jean-Claude Malgoire.
Jacek Laszczkowski apresentou-se na estreia de uma ópera do compositor holandês Martijn Padding, no Festival de Outono de Varsóvia, seguido de participações nos Festivais de Berlim e Nova Iorque e nas Óperas de Amsterdão e Haia.
Na Ópera Nacional de Varsóvia, interpretou uma obra do compositor polaco Pavet Hylnityn. Estreou-se na Ópera Nacional de Munique com L'Incoronazione di Poppea.
Jacek Laszczkowski desenvolve paralelamente uma carreira no cinema e na televisão. Já participou em dois filmes de Krysztof Zanussy: L'Ame qui chante e Le Frère de Dieu. Interpretou recentemente o papel do lendário tenor polaco Jan Kupura, num filme sobre a sua vida intitulado Spiewaj (Canta!). Este filme será objecto de uma série televisiva de oito episódios.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Um dia perfeito

É clro que no album «Transformer» a canção não aparecia assim, mas os anos só a melhoraram.
E o Amor continua a ser isto mesmo: dias perfeitos em que nos conseguimos julgar melhores do que, efectivamente, somos...