Em julho entrarei nos sessentas e já criei uma check list ambiciosa sobre o que quero cumprir nessa década a nível das leituras, dos sons e das imagens, que não consegui ler, ouvir ou ver até aqui, ou as muitos especiais, merecedoras de uma derradeira revisita.
Salinger é um dos escritores de que nada li, e agora me atrevo a descobrir. Falha óbvia no meu currículo de leitor, não o será da dimensão de um Proust ou de um Joyce, cuja revelação me espera nos próximos anos.
Para não entrar de chofre na sua escrita, particularmente no seu muito aclamado «À Espera do Centeio», comecei agora os seus «Nove Contos».
Mas atenhamo-nos na personalidade e na obra do escritor.
A sua maior coerência é a do silêncio: escrever pelo prazer que isso dá, escrever para si mesmo - romances, cadernos - sem os publicar, sem dar entrevistas, sem sacrificar os dias ao grande espetáculo do mundo.
Esse é o paradoxo de um escritor extremamente popular, que apostou na possibilidade de delegar num punhado de personagens - Holden Caulfield, Muriel, Zooey, Seymour ou Daumier Smith - a perene defesa do seu humor e tiranias.
Meio século de silêncio decorreriam desde a sua derradeira publicação, em 1965, até à morte ocorrida na colina arborizada de Cornish, no New Hamphshire, a 27 de janeiro de 2010.
Misantropo e asceta, Salinger criou a imagem de autor enigmático, apesar da divulgação das suas cartas e o surgimento, entre 1998 e 2000, de dois livros a revelarem a sua vida privada, ou como ele se descreve, “um homem neste mundo, mas não deste mundo”.
Jerome David Salinger nasceu em Nova Iorque no primeiro dia do ano de 1919 num belo apartamento de Manhattan com vista para a Park Avenue. A mãe tinha ascendência escocesa e o pai era um bem sucedido importador de queijo casher, aproveitando a sua origem judaica proveniente da Polónia.
Acabado o liceu o jovem Salinger passeia pela Europa incorporando-se a seguir na Academia Militar de Valley Forge, na Pensilvânia. Prossegue depois os estudos universitários na Universidade de Columbia no atelier de escrita do chefe de redação da revista «Story», que lhe publica o primeiro conto: «The Young Folks».
Esporadicamente as suas novelas vão aparecendo no «Saturday Evening Post», na «Esquire» e na «Harper’s Magazine», alcançando um público muito alargado.
É, porém, graças à «New Yorker» que, em 1947, consegue um êxito retumbante com «Um Dia Ideal para o Peixe-Banana», o primeiro dos seus «Nove Contos», publicado em 1953.
Trata-se de um texto com um título singular e cujo tom alia a arte das ruturas à dos mistérios. Começa com uma conversa telefónica, que Salinger desenvolve com repetições, coisas que ficam por dizer, ritmos, cortes e expressões abruptas, tendo como contraponto a praia, onde a pequena Sybil brinca e nada com Seymour à procura da sua quimera, o peixe banana.
Está tudo lá: a criança, a angústia à flor da pele, uma ligeira poesia.
A guerra? Está subjacente através de algumas alusões. Seymour a ler poemas na Alemanha, Muriel a encontrar um soldado no salão de chá.
E o desenlace inesperado a que voltarei no próximo texto dedicado a este livro.
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