O ciclo de cinema russo, atualmente em curso no Nimas, continua a possibilitar-nos o encontro com alguns dos filmes mais relevantes de quantos se produziram no período soviético.
Durante este fim-de-semana esteve disponível este filme, coassinado por Elem Klimov e Larisa Shepitko. Ela apenas o iniciou, cabendo ao marido concretizá-lo quase na totalidade depois de a ver morrer, muito jovem, num acidente de viação, que vitimaria mais quatro dos seus principais técnicos. Nesse sentido, mais do que uma homenagem, Klimov concretiza assim um ato de amor pela companheira precocemente desaparecida.
Baseado num romance de Valentin Rasputine, «Adeus à Matiora» aborda os últimos dias da comunidade, que vive numa ilha donde não tardará a ser desalojada para constituir o leito de uma enorme barragem.
Se Lenine, defendia que o comunismo seria a soma da Democracia com a eletricidade, esta última deveria sobrepor-se a todos os condicionalismos, mesmo humanos, que travassem o progresso pretendido. Daí que, colocando o espectador ao lado dos que entravam esse progresso, o filme até seria facilmente catalogável como reacionário no período estalinista. Mas, em 1981, mesmo com a perestroika ainda distante, o regime então liderado por Breznev, já andava feito barata tonta sem discernir em que direção deveria seguir.
Logo de início temos, assim, a chegada de cinco Destruidores, que começam o seu trabalho no cemitério. É apenas o primeiro dos embates com uma população por demais renitente a sair das terras onde sempre tinha vivido e onde estavam sepultados os antepassados.
Intervém o chefe do kolkhoze e o líder regional (como de costume um vago sósia de Vladimir Ilich), mas doravante todas as fases por que passa o desalojamento dos aldeãos e a transferência para uma feia cidade na outra margem, implica resistência e muita dor, por muito que sincopada por festas panteístas, onde o vodka e as cantorias remetem mais para as sensações derradeiras do que para a crença na sua repetição futura.
Nas cenas da ceifa reencontramos o grande cinema dos anos trinta, quando Eisenstein e outros realizadores cumpriam as encomendas de filmes, que realçassem a força coletiva na batalha pela produtividade. Mas essa é apenas uma das muitas referências cinéfilas, que remetem também para os filmes mudos de Dovjenko ou para as questões existenciais dos filmes de Tarkovski.
Se a oposição ao progresso tem nas pessoas a sua expressão mais dinâmica, há uma árvore, que sintetiza a força do que, permanecendo estático, resiste a todas as tentativas para o submeter: é o roble centenário, que os Destruidores tentam derrubar por vários processos, desde a serra ao recurso a maquinaria pesada, e nem mesmo com o fogo devidamente domesticado. Na sua verticalidade, representa a determinação de quem não se sujeita aos ditames que põem em causa a sobrevivência da identidade específica daquela comunidade.
Daria, a velha mãe do líder do kolkhoze, acaba por ser o seu duplo humano ao liderar os que tentam evitar o desenlace inevitável e acabam por se deixar ficar com alguns cúmplices na ilha desaparecida nas águas numa manhã de nevoeiro.
Manuel Cintra Ferreira qualificou de «sublime» quando viu este filme na altura da sua estreia. E passados 35 anos ele continua a ser proposta imperdível, que valeu a pena descobrir.
1 comentário:
Também achei este filme magnífico, gostava muito de o rever
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