O homem limita-se a ser o seu projeto. Nada mais do que o conjunto dos seus atos, da sua vida. De maneira geral as pessoas não têm outra forma de suportar a sua frustração pessoal senão pensando mais ou menos isto; “tivessem sido outras as circunstâncias! Eu valia bem mais do que isto. É verdade que não vivi um grande amor, ou mesmo uma grande amizade, mas foi por não ter encontrado o companheiro ou a companheira, com que teria precisado de contar. É verdade que não escrevi nenhum grande livro, mas foi por não ter tido disponibilidade para o criar. E, no entanto, tenho em mim as ideias, os conhecimentos, as emoções, que as circunstâncias não me permitiram potenciar!”.
Mas na realidade nós somos o que exprimimos no que fazemos, no que construímos, no que criamos. O génio de Proust esgota-se na obra que ele deixou!
É mais ou menos isto, que Jean Paul Sartre escreve num dos seus principais títulos filosóficos: «L’Existencialisme est un humanisme”, publicado em 1946.
Trata-se de um texto incómodo porque esclarece que somos os culpados de termos falhado o nosso projeto de vida. Se ela não nos satisfaz é por nosso exclusivo demérito, porque tem resultado das opções que tomámos.
Porque a nossa vida é o somatório de todas as nossas ações, Sartre considera não ser possível encontrar desculpas no que nos precedeu, porque a existência começa no facto de se ter nascido. É a célebre frase: “ A existência precede a essência!”.
Mas em Sartre também existe uma ideia encorajadora: a do que queremos vir a ser, e que envolve as opções que venhamos a tomar, as mudanças que queremos introduzir no que somos. Porque temos sempre um futuro, coisas que nos restam fazer…
Mas no dia da nossa morte coisificamo-nos: seremos doravante só aquilo que fomos, um passado. E curiosamente em «l’Étre et le Néant” seríamos tentados a ver no primeiro a vida e no segundo a morte, mas, em Sartre é precisamente o contrário que se passa. O Ser é a morte e o Nada é a vida. O Ser equivale ao que fomos, quando o pano cai e só nos limitamos a ser a ideia do que os outros de nós ajuízam. É-se petrificado, segundo a própria terminologia sartriana.
A razão porque Sartre recusou o Prémio Nobel, que lhe foi atribuído em 1964, foi precisamente por não pretender ser estatuificado, apesar de também invocar razões políticas. Mas, para ele, ganhar o Nobel ou entrar na coleção de La Pleiade significava morrer um pouco, a ter a liberdade condicionada pelo olhar alheio. Porque é este último que nos tende a coisificar.
No entanto, quando morreu, Sartre teve direito a um funeral da mesma importância do que já acontecera com Victor Hugo. Jovens que nele participaram entenderam-no como uma autêntica manifestação contra a morte de Sartre.
Em Sartre há também a ideia da má fé, segundo a qual faz-se batota, mente-se, o que constitui uma característica da condição humana. Por isso “um criado de café interpreta o papel de um criado de café” - de acordo com uma famosa passagem de «L’Être et le Néant”. Ou seja nós somos coisificáveis por nos conformarmos com o papel social, que nos é atribuído.
Existem papéis bem definidos na sociedade e desempenhar um deles implica disfarçar-se com a ideia que coletivamente dele se faz maioritariamente. Para Sartre ser-se sincero mais não é do que tentar ser-se-á si mesmo, apesar de tal nos ser proibido.
Estamos assim condenados a encerrarmo-nos no espartilho da falta de liberdade? É difícil mudar a existência, da inautenticidade para a autenticidade? Para Sartre as possibilidades de escolha não são infinitas nem são nulas: a margem de liberdade é curta, mas existe...
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